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O salto geoestacionário: perspectivas da cooperação sino-brasileira com o CBERS-5

 

Por Nathália Rabelo 

 

Brasil e China assinaram uma Declaração Conjunta de Intenções para o desenvolvimento do satélite CBERS-5, em junho de 2024. O documento foi assinado durante a VII Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), presidida pelo vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, e pelo vice-presidente chinês, Han Zheng (Brasil, 2024). As Partes pretendem assinar Protocolo adicional em julho de 2025, às margens da Cúpula dos BRICS. Esse satélite, o primeiro geoestacionário na órbita brasileira, será de extrema importância para a autonomia do Brasil, visto que há apenas três satélites com essa característica no ocidente, todos norte-americanos. Dessa forma, essa análise pretende destacar os diferentes impactos, desafios e interesses nacionais, técnicos e políticos, na construção do CBERS-5, além de mapear a parceria sino-brasileira em satélites. 

 

O programa CBERS

 

Na década de 80, a China traçava objetivos para um desenvolvimento industrial e espacial intensivo, visando elevar suas competências científicas e tecnológicas. Em paralelo, programas de satélites da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) incentivaram pesquisas na área para fortalecer a economia interna e as aplicações industriais, o que levou à uma busca por parceiros internacionais. A China havia adquirido experiência na construção de satélites e foguetes lançadores, e o Brasil poderia contribuir com sua familiaridade com altas tecnologias e um parque industrial mais moderno que o chinês à época. Ambos os países possuem áreas despovoadas e com vastos recursos naturais, além de áreas com grandes potenciais agrícolas e ambientais que necessitavam de monitoramento constante, então surgiu a possibilidade de cooperação.

Em julho de 1988, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) do Brasil assinou um acordo de parceria com a Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST) para o desenvolvimento de um programa de construção de satélites avançados de sensoriamento remoto, chamado China-Brazil Earth Resources Satellite, o CBERS (INPE, 2024). 

Com o intuito de implantar um sistema completo de sensoriamento remoto de nível internacional, os dois países uniram esforços para o desenvolvimento e transferência de tecnologias sensíveis, além de criar um sistema de responsabilidade financeira dividido inicialmente como 70% chinês e 30% brasileiro (INPE, 2024). Essa parceria rompeu os padrões que restringiam os acordos internacionais à transferência de tecnologia e intercâmbio entre pesquisadores de nacionalidades diferentes.  

Coordenado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) - autarquia vinculada ao MCTI - e pela Administração Nacional Espacial da China (CNSA), o programa CBERS tem como executores o INPE e a CAST. O CBERS-1, primeiro satélite do programa, foi lançado em 1999 e se manteve até 2003, ano do lançamento do CBERS-2. Os dois têm constituições idênticas, e visavam o sensoriamento remoto, que repetisse as imagens para o Sistema Brasileiro de Coleta de Dados Ambientais (INPE, 2024).

O sensoriamento remoto é utilizado por praticamente todas as instituições ligadas ao meio ambiente, as imagens são usadas no controle do desmatamento e queimadas na Amazônia Legal, no monitoramento de recursos hídricos, ocupação do solo, áreas agrícolas, crescimento urbano e inúmeras outras aplicações. Assim, os países ingressaram no restrito mercado de imagens de satélites das nações desenvolvidas, podendo inclusive enviar as imagens para terceiros, se aprovado por ambos, como é feito para alguns países africanos desde 2007 (INPE, 2024). 

Em 2002 assinaram a continuação do programa para dois novos satélites, o CBERS-3 e 4, com nova divisão de investimentos, em 50% para cada. Eles representaram uma evolução, com desempenhos geométricos e radiométricos melhorados, logo, reproduzem imagens com maior precisão e qualidade (ibid.). 

 Visto que o CBERS-3 só teria viabilidade de ser lançado quando o 2 já tivesse parado de funcionar, concordaram em lançar o CBERS-2B, para prolongar o uso sem prejuízos enquanto era desenvolvido o novo satélite. O 2B operou de 2007 a 2010, mas ocorreu uma falha no lançamento do CBERS-3, resultando na antecipação do lançamento do CBERS-4, para 2014. Graças a disponibilidade de equipamentos, os responsáveis decidiram desenvolver também o CBERS-4A, com maior complexidade e câmera superior na resolução geométrica e espectral, foi lançado em 2019 com projeção de vida útil maior (INPE, 2024). 

 

    

CBERS/INPE - Divulgação

 

O CBERS-6, já aprovado pelo Congresso Nacional, representa a continuidade dos satélites de última geração, trazendo um avanço significativo no sensoriamento remoto. Diferente dos modelos anteriores, ele utiliza a tecnologia Radar de Abertura Sintética (SAR) em vez de óptica, o que possibilita o sensoriamento mesmo na ausência de luz e através das nuvens, fator importante para regiões úmidas e com grandes formações de nuvens como a Amazônia (G1, 2023). Esse satélite teve seu Protocolo Complementar aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2024 e tem previsão de lançamento para 2028. É interessante citar que o Módulo de Serviço deste satélite será desenvolvido inteiramente pela parte brasileira (G1, 2023). Essas mudanças técnicas podem repercutir ainda mais no avanço e fortalecimento do setor espacial brasileiro, assim como na base industrial tecnológica e na economia. 

Os dados dos satélites da família CBERS tornaram-se imprescindíveis para o monitoramento de florestas, a conservação da biodiversidade, a previsão e mitigação de efeitos de desastres naturais, o mapeamento de áreas agrícolas e do crescimento urbano, entre outras aplicações. Ademais, o programa alavancou a indústria espacial brasileira, ao impulsionar o surgimento de empresas na Base Industrial de Defesa (BID) para atender às novas demandas, produzindo equipamentos e outros componentes. 

 

O CBERS-5

 

Ao contrário de seus antecessores, o CBERS-5 será um satélite meteorológico geoestacionário, o que significa que permanecerá em uma órbita fixa, acompanhando o movimento da Terra e proporcionando uma observação contínua do Brasil. O Brasil, por meio do INPE, já produz satélites de baixa órbita, tanto em cooperação com os chineses quanto em empreendimentos nacionais, entretanto, a tecnologia geoestacionária representa um salto de complexidade e um avanço expressivo no programa espacial brasileiro. 

Atualmente, apenas três satélites norte-americanos apresentam a característica de carga útil meteorológica do projeto do CBERS-5 no Ocidente, o que torna o Brasil dependente dos dados dos Estados Unidos para realizar seus modelos climáticos, que chegam com dias de atraso e podem comprometer a previsão do tempo (Brasil…, 2025). 

Com o CBERS-5, o país terá soberania de dados meteorológicos, e além de garantir melhor acurácia de previsão do tempo por dados em tempo real, com benefícios claros a setores como agronegócio, energético, ambiental e urbanísticos, estará mais preparado para identificar e responder a desastres naturais extremos como a enchente no Rio Grande do Sul, ocorrida em 2024, e outros eventos como secas e tempestades, cada vez mais frequentes com o aprofundamento das mudanças climáticas e do aquecimento global (Brasil…, 2025). 

Além da finalidade meteorológica, o CBERS-5 também contará com finalidades de comunicação (permitindo a distribuição de sinais de telefonia, Internet e televisão); navegação, e uso militar. Atualmente, o único satélite de comunicação geoestacionário brasileiro é o SGDC-1 (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas 1), que foi construído por empresa franco-italiana e lançado em 2017, cujo controle é realizado no Brasil em estações localizadas em áreas militares, sob coordenação do Ministério da Defesa e da Telebrás. No entanto, não houve participação efetiva brasileira no desenvolvimento, construção, montagem, integração e testes do SGDC-1 (Conheça…, 2025). 

Nesse contexto, a proposta do CBERS-5 permitirá que o Brasil avance em direção ao domínio tecnológico de um sistema geoestacionário, participando efetivamente de todas as fases do ciclo de vida de uma plataforma orbital geoestacionária, desde a concepção à operação, assim como ocorreu com os outros satélites do programa CBERS, que propiciou as condições para o desenvolvimento do primeiro satélite de órbita polar totalmente nacional, o Amazônia-1. 

 

Oportunidades e desafios

 

Os cinco países que possuem mais de 100 milhões de habitantes, PIB maior que US$ 750bi e extensão territorial maior que 3 milhões de quilômetros quadrados são: Brasil, China, Estados Unidos, Índia e Rússia. Desses cinco, apenas o Brasil não possui domínio da tecnologia geoestacionária, que demonstra ser uma tecnologia necessária para alavancar o desenvolvimento econômico e social dos países supracitados (Neto, 2021). 

É importante destacar que a diplomacia científica não se aplica ao desenvolvimento de tecnologias disruptivas, como o caso de um sistema geoestacionário, visto que a regra geral no setor espacial é de não compartilhar conhecimento que permita o domínio de tecnologias críticas. Ainda sim, em função da longa e bem sucedida cooperação no setor espacial com o Brasil, por meio do programa CBERS, a China é o único país que tem demonstrado disposição para compartilhar riscos e custos de desenvolvimento conjunto de um sistema com este grau de sofisticação. 

Nesse sentido, trata-se de uma oportunidade importante para o desenvolvimento do setor espacial brasileiro, com envolvimento da indústria nacional em desafios tecnológicos de fronteira, que concorre para colocar o Brasil no seleto grupo de países que dominam esta tecnologia, gerando benefícios econômicos relevantes, impactos significativos no monitoramento ambiental que se refletem na elevação da qualidade de vida e bem-estar da sociedade e que dificilmente será vislumbrada por meio de outra cooperação, com compartilhamento de custos e riscos, no curto prazo.

Embora esteja entre as linhas do Plano Decenal de Cooperação Espacial 2023-2032, (China, 2023) o  projeto do CBERS-5 vem sofrendo empecilhos técnicos e políticos. A ideia inicial era que o Protocolo Complementar do satélite fosse assinado pelos presidentes na ocasião da visita do Presidente Xi Jinping ao Brasil, em novembro de 2024. Entretanto, tendo em vista que a concepção do referido satélite envolve procedimentos, tecnologias e equipes bem distintas dos satélites concebidos anteriormente no âmbito do programa CBERS, as discussões técnicas do satélite estão demorando mais que o previsto. 

Nas negociações já em curso, dois pontos podem se tornar obstáculos ao lado brasileiro: a recepção de dados e a operação do satélite. Os chineses propuseram receber os dados do satélite em tempo real, enviando as informações geradas nele a outros satélites geoestacionários chineses diretamente, através de Interlink. Já a posição brasileira pede que os dados gerados do território nacional sejam recebidos antes aqui, e transmitidas em seguida ao lado chinês, por se tratar de uma questão de soberania nacional. 

Em relação à operação do satélite, os chineses têm interesse em operar o satélite de forma compartilhada, o que para o lado brasileiro não há justificativa técnica para essa demanda, especialmente devido à possibilidade de afetar o monitoramento de desastres de grandes proporções, por não ter a operação do satélite disponível naquele momento. 

Por estes motivos, críticas estão sendo feitas à construção do CBERS-5 por parte de opositores à cooperação com a China, especialmente devido a um projeto prévio de construir um satélite geoestacionário de meteorologia, o chamado GEOMET-1, do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) de 2022-2031  (Carlos, 2024). Este satélite seria 100% nacional, o que poderia, de fato, ser mais benéfico para a autonomia brasileira, mas demandaria gastos e tempo de construção muito elevados em relação ao CBERS. Além disso, há preocupações também acerca da incerteza sobre a transferência de tecnologia, que é muito importante para a CT&I brasileira, e o compartilhamento de dados com os chineses, visto que satélites com essas configurações podem captar lançamentos de foguetes e mísseis nas proximidades, o que em retórica pode ser o real interesse chinês, para monitorar os Estados Unidos (Carlos, 2024).

Neste sentido, é necessário um corpo técnico mais apropriado para a definição desta missão meteorológica geoestacionária, a fim de prover as condições para que o governo impulsione o desenvolvimento social e econômico a partir do desenvolvimento do projeto, sem prejudicar a autonomia e soberania brasileira. Entende-se que os pontos podem ser bem dirimidos em favor do nível político e no plano de cooperação das sinergias. 

Ademais, a definição do CBERS-5 como projeto prioritário, poderia avançar para compromissos chineses de transferência de tecnologia para diversas partes do projeto em que o Brasil ou ainda não detém tecnologia, ou precisa de atualizações. Isso pode envolver, por exemplo, a parte de controle do módulo de serviço do satélite geoestacionário, ou das próprias cargas úteis do satélite. Geralmente tais transferências se dão por meio de offsets, em que a compensação tecnológica se dá por meio de compras com valores adicionais envolvidos. Nesse caso de aprofundamento da cooperação, a transferência se daria de forma voluntária, sem contrapartida financeira pelo lado brasileiro. 

 

Considerações finais

 

A cooperação com a China, como já demonstrado nos outros satélites, tem grande potencial para aumentar as capacidades da indústria nacional em tecnologias avançadas, por meio de transferência de tecnologia e know-how. Além disso, a contribuição sino-brasileira na disseminação de dados e no desenvolvimento de capacidades nessa área é amplamente reconhecida internacionalmente. Um exemplo disso é o "CBERS For Africa", iniciativa lançada em 2007, que distribui gratuitamente imagens dos satélites para países africanos. Esse projeto foi um marco importante nos esforços chineses e brasileiros de estreitar laços e cooperar com os referidos países.

No âmbito da Declaração Conjunta, está explicitado o interesse do Brasil em gerar informações úteis para os países da região, com a intenção de compartilhá-las com toda a América Latina e o Caribe, além de outros interessados. Esse ato pode fortalecer a liderança do Brasil na região, visto que os dados gerados seriam de grande valor para os países, especialmente em áreas críticas como monitoramento ambiental, previsão de desastres naturais e planejamento agrícola. A distribuição estratégica desses dados colocaria o Brasil como líder regional no enfrentamento de desafios comuns, além de reforçar sua posição como polo tecnológico e inovador na região. Adicionalmente, isso promoveria o desenvolvimento sustentável e a cooperação em C&T.

Assim, considerando o sucesso do programa CBERS nas versões anteriores, é possível inferir que a cooperação em torno do CBERS-5 também será extremamente benéfica e produtiva. Além dos benefícios já mencionados, essa colaboração representa uma oportunidade para o governo brasileiro, por meio de instituições como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o MCTI, o INPE, a AEB e outras entidades relacionadas, impulsionar o interesse civil e militar no programa espacial brasileiro. Esse avanço estaria relacionado à geração de dados, previsões e ao bem-estar social, em um setor ainda pouco valorizado, mas que carece de maior investimento, atenção, profissionais qualificados, infraestrutura e outros recursos essenciais. A aplicação de tecnologias disruptivas pode transformar esse cenário e trazer inúmeros benefícios.

 

Referências

Brasil e China assinam acordo para construção conjunta de satélite. 2024. https://www.gov.br/inpe/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/brasil-e-china-assinam-acordo-para-construcao-conjunta-de-satelite.  Acesso em: 10 mai. 2025.

 

Brasil e China avançam na cooperação espacial com foco no satélite CBERS-5. 2025. https://www.gov.br/inpe/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/brasil-e-china-avancam-na-cooperacao-espacial-com-foco-no-satelite-cbers-5.  Acesso em: 10 mai. 2025.

 

CARLOS, R. China e Brasil assinam acordo para “Fazer uma gambiarra” no satélite CBERS-5 e transformá-lo em Geoestacionário e de Meteorologia | Revista Foguetes Brasileiros - Sua principal fonte sobre o Programa Espacial Brasileiro. 2024. https://foguetesbrasileiros.com/china-e-brasil-assinam-acordo-para-fazer-uma-gambiarra-no-satelite-cbers-5-e-transforma-lo-em-geoestacionario-e-de-meteorologia/07/06/2024/ . Acesso em: 10 mai. 2025.

 

CHINA, C. B. 13o acordo entre Brasil e China trata de mais pesquisa científica - Camara Brasil China. 2023. https://camarabrasilchina.com/13o-acordo-entre-brasil-e-china-trata-de-mais-pesquisa-cientifica/ . Acesso em: 10 mai. 2025.

 

Conheça o SGDC. 2025. https://www.telebras.com.br/telebras-sat/conheca-o-sgdc/. Acesso em: 10 mai. 2025. 

 

G1. Cbers-6: Novo satélite de parceria entre Brasil e China deve custar mais de 100 milhões de dólares e entrar em órbita em 2028. https://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2023/04/14/cbers-6-novo-satelite-de-parceria-entre-brasil-e-china-deve-custar-mais-de-100-milhoes-de-dolares-e-entrar-em-orbita-em-2028.ghtml. Acesso em: 10 mai. 2025. 

 

INPE, 2024. https://www.gov.br/inpe/pt-br/programas/cbers/sobre-o-cbers-1/historia. Acesso em: 10 mai. 2025. 

NETO, J. G. S. Tese (TCC) - Escola de Guerra Naval, 2021.