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Análise Quinzenal
PET - REL

 

A CELAC e os obstáculos para a integração latino-americana

 

Lenira Oliveira

 

 

“Essas importantes reuniões de presidentes são chamadas de 'Cúpulas', mas as cúpulas não existiriam sem as montanhas, e as montanhas são nosso povo, que não pode ficar alheio às respostas que são construídas para enfrentar os desafios que enfrentamos hoje como região e como humanidade. Causas que, mais do que nunca, precisam de esforços coletivos”. (Mujica, tradução livre de carta enviada à líderes latino-americanos em ocasião da IX Cúpula da CELAC, 2025)

 

 

No dia 9 de abril de 2025, ocorreu a 9a Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), realizada em Honduras, cujo tema foi “compromisso com a paz, o diálogo e a unidade latino-americana e caribenha”. Nessa reunião, foram discutidos temas prioritários para a organização, como a integração regional, o combate às mudanças climáticas, a segurança alimentar e uma possível candidatura unificada da região para o cargo de secretário-geral da Organização das Nações Unidas (Agência Gov, 2025).

 

Uma das principais controvérsias envolvendo o encontro de líderes da região foi o fato da declaração emitida em ocasião da Cúpula ter sido adotada por “consenso suficiente”, após ser objetada pelas delegações da Argentina, da Nicarágua e do Paraguai, “por diferentes razões” (MRE, 2025). A partir disso, a presente análise buscará investigar os principais desafios que impedem a CELAC de avançar em uma integração efetiva da região. Esse esforço será empreendido em diálogo com a carta enviada pelo ex-presidente uruguaio, Pepe Mujica (in memoriam), aos presidentes Xiomara Castro (Honduras), Gustavo Petro (Colômbia) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) na ocasião da IX Cúpula da CELAC (nodal, 2025).

 

CELAC: entre a retórica e a prática

 

“Não é necessário criar novas instituições, já temos as necessárias para trabalhar e mostrar ao nosso povo que o esforço conjunto entre nossos países melhora suas vidas. [...] temos a capacidade e as ferramentas para avançar, precisamos da vontade política para tornar isso um processo e não apenas retórica”. (Mujica, 2025)

 

A CELAC foi criada na chamada “Cúpula da Unidade”, realizada no México, em fevereiro de 2010, com o objetivo de ser um mecanismo de concertação política para promover a integração regional (Gomes, 2013). O Plano de Ação de Caracas 2012 apresentou os principais temas a serem tratados no âmbito dessa comunidade, dos quais se destacam: complementaridade e cooperação entre os mecanismos regionais e subregionais de integração; energia; infraestrutura; meio ambiente; migração; desenvolvimento social e erradicação da fome e da pobreza; dentre outros (Plan de Acción de Caracas 2012, 2012).

 

Desse modo, ela se propõe a ser um espaço de convergência de distintas perspectivas em relação às agendas compartilhadas pelos países latino-americanos e caribenhos. Esse mecanismo assumiu como lema a “unidade na diversidade”, ao passo que propõe justamente formar um quadro comum para cooperação e para consulta entre os países da região (Espinoza; Quiliconi, 2016, p. 28), tomando a forma de uma “diplomacia de cúpulas” com um enfoque na figura presidencial (Sanahuja, 2014). 

 

Nesse cenário, cabe destacar que nos seus primeiros anos de funcionamento, a CELAC foi capaz de gerar consensos em questões de interesse dos países da região naquela época, como a questão das drogas, da migração, da fome e da pobreza etc. (Governo Federal, 2024). No entanto, após alguns anos de sua criação, ela foi enfraquecida devido ao desengajamento dos países da região em dialogar efetivamente neste foro. Alguns fatores, como a falta de institucionalidade da CELAC e a fragmentação política na região, podem ajudar a compreender esse processo de esgotamento. 

 

Os desafios estruturais para a integração regional

 

“Não basta nos unirmos, devemos caminhar juntos e, se às vezes isso não for possível, as portas devem estar abertas para sair e retornar quando possível. Devemos ser capazes de construir um consenso progressivo que não nos paralise e que permita àqueles que estão em condições de avançar e depois agregar aqueles que decidirem fazê-lo”. (Mujica, 2025)

 

A CELAC se trata de um mecanismo de concertação e de cooperação política não institucionalizado, visto que ela não possui um tratado constitutivo nem se constitui como uma organização internacional (Sanahuja, 2014, p. 96). Apesar desse formato apresentar algumas vantagens, como não impor nenhuma limitação à soberania dos Estados da região, ele também é colocado à prova, sobretudo em momentos em que existem posições políticas e ideológicas tão divergentes entre os chefes de Estado. Exemplos desse fenômeno são a postura mais conservadora adotada pelo governo da Argentina e do Paraguai em assuntos relacionados a gênero e ao tom da resposta às medidas comerciais impostas pelo governo Trump aos países latino-americanos na declaração da IX Cúpula da CELAC.

 

A contestação dessa declaração por três governos é representativa do impasse existente dentro desse concerto, o que impede o consenso entre os Estados, afetando assim a concertação política entre os países da região e a efetiva integração regional. A Argentina, por exemplo, contestou o trecho da declaração que rechaça as tarifas impostas pelo governo Trump a diversos países, incluindo os integrantes da própria CELAC (PODER360, 2025). Além desse ponto, o governo argentino, juntamente com o paraguaio, contestou trechos que faziam referência a questões de gênero, refletindo a política conservadora desses dois governos, o que acaba levando ao afastamento deles em relação aos demais e implicando na fragmentação da CELAC.

 

Nesse contexto, portanto, a heterogeneidade característica dos países latino-americanos e do Caribe, torna-se um desafio para que esse mecanismo de concertação política seja capaz de encontrar ao menos um denominador comum (Sanahuja, 2014), isto é, uma postura que represente os desejos e anseios dessas populações. Como disse Mujica em sua carta, já existem mecanismos suficientes para avançar neste sentido, apenas falta vontade política para que o processo de integração seja uma realidade. E, de fato, esse é um grande entrave dos mecanismos de integração e de concertação política da região, haja vista que mudanças nas posições políticas dos governos levam ao afastamento deles desses fóruns – como foi o caso da suspensão da participação do Brasil da CELAC durante o governo Bolsonaro (DW, 2020) –, o que causa o enfraquecimento desses mecanismos.

 

Considerações finais

 

“Hoje, as grandes decisões que movem o mundo são tomadas em outro lugar, longe de nossa mesa. É necessário criar proximidade em nossa região para fazer com que nossa voz seja ouvida em nível internacional. [...] A integração regional é uma meta. O caminho, que transcende os governos e até nós mesmos, deve ser a proliferação de projetos concretos viáveis de cooperação na região, para colocar em prática a solidariedade regional”. (Mujica, 2025)

Tendo em vista os acontecimentos recentes do cenário internacional, como a imposição de tarifas pelo governo Trump, e seus impactos nos Estados latino-americanos e caribenhos, torna-se clara a necessidade de diálogos e de entendimentos políticos entre os governos da região para que se possa encontrar meios de responder conjuntamente a esses desafios. Nesse sentido, a CELAC foi criada para ser um espaço capaz de abrigar essas discussões, assim como para atender às necessidades e aos anseios compartilhados pelos indivíduos que vivem na região e enfrentam problemas comuns.

 

Apesar de suas fragilidades, esse mecanismo juntamente com outras organizações regionais existentes devem trabalhar em conjunto na construção de laços mais consistentes rumo a uma efetiva integração regional. Mesmo que não existam consensos entre as partes, é necessário haver o mínimo de diálogo para que se possam encontrar soluções benéficas para os envolvidos, a fim de seja possível, como disse Mujica, fomentar a solidariedade entre os países e os povos da região.

 

Referências

Brasil suspende participação na Celac. DW, 16 jan. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/brasil-suspende-participa%C3%A7%C3%A3o-na-celac/a-52024798. Acesso em: 21 abr. 2024.

 

Em Honduras, Lula participa da Celac e discute integração regional e segurança alimentar. Agência Gov, 9 abr. 2025. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202504/em-honduras-lula-participa-da-celac-e-discute-temas-como-integracao-regional-e-seguranca-alimentar. Acesso em: 18 abr. 2024. 

 

Celac racha e solta comunicado sem Argentina, Nicarágua e Paraguai. Poder360, 10 abr. 2025. Disponível em: https://www.poder360.com.br/poder-internacional/celac-racha-e-solta-comunicado-sem-argentina-nicaragua-e-paraguai/. Acesso em: 19 abr. 2025.

 

GOMES, Nancy. A Comunidade dos Estados Latino-Americanos. 2013. Disponível em: https://repositorio.grupoautonoma.pt/server/api/core/bitstreams/3c0e0921-f25f-4dd0-ad99-dc45ff1edc5e/content

 

Informações sobre a 8ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC). Governo Federal, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/media/240228_factsheet_8a-cupula-celac_web.pdf. Acesso em: 20 abr. 2024.

 

Luego de la reunión de cancilleres, inicia en Honduras la IX Cumbre de la CELAC. nodal, 9 abr. 2025. Disponível em: https://www.nodal.am/2025/04/luego-de-la-reunion-de-cancilleres-inicia-en-honduras-la-ix-cumbre-de-la-celac/#Pepe_Mujica_envia_carta_en_ocasion_de_la_celebracion_de_la_IX_Cumbre_de_la_CELAC. Acesso em: 19 abr. 2025. 

 

 

Nota à Imprensa n° 164 - Declaração emitida por ocasião da IX Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da CELAC – Tegucigalpa, 9 de abril. MRE, 10 abr. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-emitida-por-ocasiao-da-ix-cupula-de-chefes-de-estado-e-de-governo-da-celac-2013-tegucigalpa-9-de-abril. Acesso em: 18 abr. 2024.

 

QUILICONI, C.; ESPINOZA, R. Latin American integration: regionalism à la carte in a multipolar world?. Colombia Internacional, n. 92, p. 15-41, 2017.

 

SANAHUJA, J. A. Enfoques diferenciados y marcos comunes en el regionalismo latinoamericano: Alcance y perspectivas de UNASUR y CELAC. 2014. Disponível em: https://www.cries.org/wp-content/uploads/2014/06/007-Sanahuja.pdf.