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Da UnB Agência

Sociedade Internacional e a Crise Incendiária Amazônica

Vítor Branquinho

 

Introdução

    Em agosto de 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) aprovou uma Resolução, na qual dizia-se que o meio ambiente, de caráter saudável, limpo e sustentável, é apontado como um dos direitos humanos (AGNU, 2022). Nesse contexto, volta-se a 2019, no Brasil, quando uma crise incendiária ocorreu na Amazônia e perdurou até 2021 (INEP, 2019; 2021), trazendo repercussões de caráter nacional, com pressões ao presidente, e internacionais, com embates diplomáticos entre França e Brasil.

    Diante disso, essa análise é dividida em duas partes. A primeira, sobre a Amazônia enquanto um recurso comunitário da humanidade. Considerando a má gestão governamental e as queimadas na floresta, discute-se, uma tragédia dos comuns no território brasileiro. A segunda parte, apresenta-se como os diálogos entre os estadistas da França e do Brasil refletem a tentativa de resolução desse problema, tendo como base conceitos da Sociedade Internacional. Assim, as duas partes possuem o intuito de mostrar a perene relevância das questões ambientais e uma das medidas diplomáticas que tentou resolver o problema brasileiro. 

 

A Tragédia dos Comuns Amazônica

    De antemão, faz-se necessário entender o que é um recurso comunitário. De acordo com o economista Gregory Mankiw (2014), um recurso comunitário seria aquele que é rival e não excludente. A rivalidade é a impossibilidade de um mesmo bem ser utilizado por duas pessoas ao mesmo tempo. Já a não-excludência é que o seu usufruto não pode ser impedido, mas passível de ter seu uso competido pelos agentes. Logo, um exemplo desse tipo de bem é o próprio meio ambiente, em que não há barreiras ao consumo de oxigênio, da umidade e de frutos produzidos, mas o uso de uma unidade impede outro consumidor de usufruir dessa mesma unidade (Mankiw, 2014). A partir de tal definição, a Floresta Amazônica se encaixa nesse tipo de bem, já que é constituinte de um bioma e abrange diversas comunidades, tendo seus rios, suas árvores, fauna e flora utilizados por todos que nela se comportam, além de influenciar os climas americanos e ser responsável pelo controle de chuvas na América do Sul. 

    Ademais, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) considera todo o ecossistema terrestre um patrimônio comum global, ou seja, equivalente a toda a humanidade (PNUD, 2007). Por conseguinte, diante da inexistência fronteiriça do meio ambiente e seus benefícios ao planeta (Jackson, Sorensen, 2007), a Amazônia, embora esteja localizada majoritariamente, em território brasileiro, é considerada um recurso comunitário de todas as Nações, visto que alguns de seus produtos de ordem biológica, se espalham ao redor do globo (WWF Brasil, 2023).

    Todavia, apesar de ser um recurso comunitário e apresentar benefícios a toda a humanidade, Garret Hardin (1968) apresentou um problema que concerne aos recursos comunitários: a Tragédia dos Comuns. Hardin argumenta que, diante de um recurso comunitário, que é de propriedade de todos, as pessoas não consideram todos os custos e benefícios derivados de suas ações e, assim, tendem a usar esse recurso de modo abusivo, visando o ganho pessoal, já que não possuem nenhum incentivo a usá-lo de modo efetivo e ecologicamente seguro. Para ele, uma vez que não há barreiras para consumi-lo ou mecanismos para sua proteção, esse bem pode se tornar escasso e pode deixar de trazer os benefícios que antes possuía. Enfim, segundo Hardin (1968), para solucionar o problema e impedir que as ações em relação a ele afetem ainda mais o ecossistema que está inserido, é necessária uma regulação estatal diante do uso do recurso, para que esse venha a durar por muito tempo.

    Apesar da floresta ser de usufruto de toda a humanidade, a responsabilidade de sua proteção e fiscalização é brasileira (Júnior, 2020). Com esse escopo, aconteceram, em 2019, mais de 50.000 focos de incêndio no bioma (INEP, 2019), além de mais de 3.000 quilômetros quadrados avisados de desmatamento (IBAMA, 2019). Já em 2021, houveram registros de mais de 82.000 focos de incêndios (INEP, 2021). Sendo assim, esses dados apontam um grande descuido do recurso natural por parte do país (El País, 2021). Por conseguinte, essa realidade mostra como a administração desse bioma está se aproximando, perigosamente, da tragédia dos comuns. 

 

A intervenção francesa 

    É nesse contexto das queimadas que a “Sociedade Internacional”, apresentada por Hedley Bull, se torna importante. Para Bull (1969), as relações internacionais se constituem em uma Sociedade de Estados, em que os atores são especializados no estadismo, sendo suas decisões políticas voltadas ao âmbito global. Ele ainda diz que essa sociedade existe quando esses Estados se juntam, vinculados por um conjunto de regras e normas conjuntas e participantes de instituições comuns (Bull, 1995). Então, todos os Estados fazem parte dessa sociedade, com as suas ações tomadas por estadistas que visam o bem global.

    Além disso, para fundamentar os alicerces dessa sociedade, Bull propõe a ordem internacional, que se refere “ao padrão ou à disposição da atividade internacional que sustenta os objetivos básicos da sociedade de Estados” (Bull, 1995) e a justiça internacional, que são essas regras morais que “conferem direitos e obrigações aos Estados e às Nações” (Bull, 1995), tais como o respeito à soberania e a resolução diplomática dos conflitos. 

    Por isso, nesse período, enquanto ocorria essa tragédia dos comuns amazônica, o presidente francês Emmanuel Macron alertou que era preciso retomar cuidados com a Amazônia, uma vez que essa representava uma forte influência em aspectos climáticos e ambientais do planeta (Estado de Minas, 2019). Entretanto, o então Presidente da República, Jair Bolsonaro, mostrou várias vezes o descaso com a situação da floresta, acusando o presidente francês de sensacionalismo e colonialismo, além de deixar parceiros políticos maldizerem o estadista (ibid, 2019). Em 2021, novas atitudes do presidente brasileiro, como o de enfraquecer o órgão responsável pelo monitoramento dos incêndios (El País, 2021), fizeram que o estadista francês argumentasse que, caso o país não mudasse seu comportamento perante as questões ambientais, a França não iria assinar o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul (UOL, 2021), o que, por sua vez, decorreria em desvantagens econômicas para o Brasil.

    Com a mudança política em 2022 e a mudança estratégica no tocante à questão amazônica, o Brasil recebeu 20 milhões de euros para o Fundo Amazônia, além da contribuição individual de cada país (Agência Brasil, 2023). Isso revela como um diferente comportamento da sociedade internacional se torna benéfica: para o país, que recebeu capital para investir em seu cuidado, e para o doador, que verá os bons resultados ambientais do grande bioma.

    É nesse enredo que se mostra a importância da sociedade internacional. John Vincent (1986) defende que, mesmo havendo a necessidade intrínseca de respeitar a soberania dos Estados, a humanidade, como um todo, possui os direitos humanos e, a fim de garanti-los, a intervenção humanitária, como foi no caso da ameaça econômica francesa ao Brasil, é legitimada. Assim, sem medidas drásticas, o estadista francês tomou uma decisão diplomática para manter a ordem internacional, visando o efetivo uso da Floresta, e fazer a justiça internacional, ao impedir que o presidente brasileiro desrespeitasse as normas da sociedade, trazendo a resolução do conflito a esse contexto. 

Portanto, essa atitude é equivalente à medida estatal proposta por Hardin para solucionar a tragédia dos comuns, visto que, em prol da sociedade internacional, Macron tomou uma ação que instigaria o presidente brasileiro a seguir e buscar as normas de regulamentação da Amazônia, sendo possível aumentar a fiscalização e o combate aos incêndios, que, em consequência, faria o uso desse recurso comunitário ser controlado e ecologicamente seguro.

    

Conclusão

    Por fim, esse evento mostra como a resolução diplomática da sociedade internacional, no caso representada e atuada por Macron, foi eficaz para tratar problemas da ordem da tragédia dos comuns, em relação às queimadas, comparando sua atitude como a de um Estado ao seu território, como proposto por Hardin. 

    Em suma, depois da Resolução da AGNU, o meio ambiente se mostra cada vez mais como uma grande preocupação internacional (O’Neil, 2009), ao passo que tange todas as nações e, por isso, deve ser tratado com mais rigor, visando um desenvolvimento sustentável, o qual se caracteriza como um “desenvolvimento que atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender as suas” (Comissão…, 1988). Com isso, o uso do meio ambiente, como um recurso comunitário, pode ser mais eficaz e perene, sendo provado que, utilizado de certo modo, tem potencial para suprir as necessidades das gerações atuais e, no futuro, ser capaz de suprir, de modo justo e digno, as das gerações futuras.

 

Referências

ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (AGNU). Resolução 76/300, 2022. Disponível em: <https://undocs.org/Home/Mobile?FinalSymbol=A%2FRES%2F76%2F300&Language=E&DeviceType=Mobile&LangRequested=False>. Acesso em: 09 de maio de 2023.

 

BOLETIM de qualificação dos alertas de desmatamento na Amazônia Legal. Ibama, 2019. Disponível em: <https://www.gov.br/ibama/pt-br/centrais-de-conteudo/arquivos/arquivos-pdf/boletim-de-qualificao-dos-alertas-de-desmatamento-na-amazonia-legal-abril-2019-pdf>. Acesso em: 05 de maio de 2023.

 

BOLSONARO e Macron: entenda como começou a crise entre os presidentes. Estado de Minas, Belo Horizonte, ago 2019. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/08/26/interna_politica,1080030/bolsonaro-e-macron-como-comecou-a-crise-entre-os-dois-presidentes.shtml>. Acesso em: 05 de maio de 2023. 

 

BULL, Hedley. International Theory: The Case for a Classical Approach. In: KNORR, K.; ROSENAU, J. N.. Contending Approaches to International Politics. Princeton : Princeton University Press, 1969.

 

BULL, Hedley. The Anarchical Society: A Study of Order in World Politcs. 2ª edição. Londres: Macmillan, 1995. 

 

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1988.

FRANÇA diz que Amazônia não é só dos brasileiros e não assina com Mercosul. UOL, São Paulo, maio 2021. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/20/franca-diz-que-amazonia-nao-e-so-dos-brasileiros-e-nao-assina-com-mercosul.htm>. Acesso em: 05 de maio de 2023.

 

GOVERNO Bolsonaro enfraquece o INPE e retira do órgão divulgação sobre dados de queimadas. El País, São Paulo, jul 2021. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-13/governo-bolsonaro-enfraquece-o-inpe-e-retira-do-orgao-divulgacao-sobre-dados-de-queimadas.html>. Acesso em: 05 de maio de 2023.

HARDIN, Garret. The Tragedy of the Comuns, Science, vol. 162, n 3859, dez 1968, pp. 1243-1248. 

 

INFOQUEIMA: Boletim mensal de Monitoramento e Risco de Queimadas e Incêndios Florestais. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INEP), Brasília, 2019. Disponível em:  <https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal/outros-produtos/infoqueima/home>. Acesso em: 05 de maio de 2023.

 

INFOQUEIMA: Boletim mensal de Monitoramento e Risco de Queimadas e Incêndios Florestais. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INEP), Brasília, 2021. Disponível em: <https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal/outros-produtos/integrado/documentos/012_RelAgregadoDETER_2021_082021_12.pdf>. Acesso em: 05 de maio de 2023.

 

JACKSON, Robert; SORENSEN, George. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

 

JÚNIOR, Henrique Lúcio da Cruz Peixoto. A Geopolítica da Amazônia: os recursos naturais estratégicos e a presença do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <MO 6344 – PEIXOTO.pdf (eb.mil.br)>. Acesso em: 05 de maio de 2023.

 

MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 6ª edição. São Paulo: Cengage Learning, 2014.

 

O’NEIL, K. The Environment and International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

 

POR que a Amazônia é importante?. WWF Brasil, Brasília, 2023. Disponível em: <https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/areas_prioritarias/amazonia1/bioma_amazonia/porque_amazonia_e_importante/>. Acesso em: 05 de maio de 2023. 

 

UNDP. A world of development experience. Site do United Nations Development Programme, 2007. Disponível em: <http://www.undp.org>. Acesso em: 03 de maio de 2023.

 

UNIÃO Europeia fará doação de 20 milhões de euros para Fundo Amazônia. Agência Brasil, Brasília, junho 2023. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-06/uniao-europeia-fara-doacao-de-20-milhoes-de-euros-par-fundo-amazonia>. Acesso em: 14 de dezembro de 2023.

 

VINCENT, R. J.. Human Rights and International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.