por Letícia Plaza
Já faz mais de 95 anos do amor desesperado cantado em versos por Neruda. Em 1924, com apenas 19 anos, Pablo Neruda publicou Veinte poemas de amor y una canción desesperada, obra que lançou à fama o poeta chileno. É um dos seus livros mais emblemáticos, em que o amor e o erotismo que celebram o corpo da mulher amada (e perdida) é escrito na forma de uma ode à natureza. Trata-se de um poemário de essência, que não fala de nada que não seja o amor.
Os versos são escritos em metáforas e imagens familiares a qualquer pessoa. Elementos bucólicos e cotidianos são evocados ao longo do livro. Tão familiar é o sentimento que desperta, uma de suas características mais únicas é a sensação que deixa no leitor de que ele mesmo poderia ter escrito alguns de seus versos. Quase todo mundo conhece ou ouviu alguma vez as linhas iniciais dos poemas 15 e 20: Me gustas cuando callas porque estás como ausente e Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
À exceção do poema final - La canción desesperada - os poemas não têm título, sendo apenas numerados, demonstrando a intenção do autor de lançá-los em uma unidade. Também demonstram que e o amor não tem nome, é inenarrável, não pode ser descrito por palavras. A canção desesperada, por outro lado, demonstra que é necessário nomear e, assim, impôr um limite à dor e ao desespero do desamor. Todas as lembranças inomináveis chegam ao fim e, agora, jazem sob uma nostalgia que não mais diz respeito ao desamor, e sim à morte.
A palavra e a linguagem são temas constantes no poemário. À necessidade do corpo e do desejo, expressos pelo erotismo, sobrepõe-se a necessidade da palavra e da transferência simbólica. O movimento de busca é direcionado não somente ao corpo da mulher amada, mas também à sua mente, seu imaginário, sua memória. Somente a palavra é capaz de trazer o sujeito amoroso para junto de seu amante. A linguagem é o elo da relação, agora em outro corpo que não é do sujeito amoroso, e tampouco do objeto amado: o corpo do verbo.
O amor aparece não mais como sensualidade, ou desejo da carne, mas como afeto. E a relação se transforma, como o poema, em outra realidade. Assim, o sujeito amoroso quer a qualquer custo transformar-se em objeto amado, passivo, que se abre a receber, mas não é capaz de projetar-se para além de sua individualidade. Distante de sua amada, o eu-lírico não sabe sair de si para chegar ao encontro do “Tu” ao qual o poema é direcionado. Aqui, uma característica cruel do amor é manifesta: sendo externo, o objeto amado é incapaz de satisfazer o sujeito amoroso, porque é idealizado.
Embora os poemas sejam baseados em experiências amorosas reais do jovem Neruda, eles não retratam uma única pessoa. O poeta mescla a descrição de características físicas incompatíveis a uma só mulher. Assim, o autor cria uma imagem irreal - ou ideal - de uma amada que existe somente no plano etéreo da fantasia, não correspondendo a nenhuma mulher concreta. Neruda retrata, assim, a imagem poética do objeto de amor como um arquétipo universal do seu sujeito amoroso.