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CESTA DE CULTURA

Cesta de cultura

 

 

Por Celso Coelho

 

 

O velho e o mar é uma história de pescador. Nada mais, nada menos. 

 

Caso você olhe com desprezo para a frase acima, pensando que a obra não representa algo interessante para uma leitura prazerosa — afinal, histórias de pescadores são comumente associadas com hipervalorização de feitos próprios e mentiras, muitas mentiras — saiba que você pode estar enganado.  

 

Julgando o livro pela capa, qual seria sua avaliação? Diria, afinal, que Ernest Hemingway, teria ganho um Nobel da Literatura e um Pulitzer ancorado numa simples obra de pescador? Falaria que essa obra-prima reverberaria pelas décadas, sendo um dos principais enredos da literatura inglesa? Chamaria-a de uma verdadeira obra-prima?

 

Apesar de ser um livro curto, O velho e o mar possui reflexões profundas que muito me tocaram durante a leitura. A conexão com o mundo, a sabedoria ancestral de seu personagem e a simplicidade da vida demonstrada ao longo das páginas muito contribuem para debates contemporâneos. Afinal, em tempos de quarentena, existe debate mais moderno do que pensar no que nos conecta com a vida?

 

Sobre o enredo, Santiago era um velho. Velho mesmo, daqueles com idade avançada e tudo. Tinha a sabedoria de uma vida em suas costas. Estando há 84 dias sem conseguir pescar sequer um único peixe, perdeu o apoio de seu jovem companheiro Manolim. O garoto, não conseguindo pescar nada com o senhor de idade, foi obrigado pelos pais a mudar de barco. Mesmo assim, estava sempre em contato com o velho Santiago. Ajudava-o a retirar a vela enrolada no mastro todos os dias ao pôr do sol. Reconhecia, acima de tudo, que aquele homem foi quem o ensinou tudo sobre pesca e nutria por ele o sentimento de compaixão mais puro. 

 

A parte densa do livro se passa quando o velho consegue fisgar um peixe grande. Ele não sabia de imediato seu tamanho ou seu peso. Sabia apenas que aquele seria um grande adversário. Não imaginaria que seu único companheiro — e oponente — durante dias seria um peixe Marlim, de seis metros e 700 quilos. Saber isso seria apenas uma consequência da persistência em permanecer forte nessa batalha do homem com a natureza. 

 

No meio desse drama, que nos envolve sem precedentes, aprendemos coisas novas, saberes ancestrais de um sábio velho pescador. Seu respeito ao mar é único. Sua conexão com o garoto, nutrida da mais pura relação entre mestre e discípulo, transmite a verdadeira essência do afeto. Seus princípios são captados nas entrelinhas com muita clareza. Seus diálogos consigo mesmo demonstram ambições e reflexões internas que temos apenas em momentos de solidão. 

 

A solidão e a batalha no mar se tornam o plano de fundo para algo muito maior, algo único. Há quem diga que Hemingway fez o livro como uma alegoria para o momento que passava em sua vida. Sem publicar um romance de sucesso há anos, sua última obra publicada até então havia sido duramente mal recebida pelo público e pelos críticos. Outros, especulavam que ele tratava apenas de uma cena cotidiana que havia visto, um retrato nos moldes de A última crônica. Para Hemingway, aquilo era sobre o mar e o velho. Todo o simbolismo envolvido era besteira. 

 

Para mim, no fim, tudo é apenas uma história de pescador.