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por Barbara Tiemi Okamura

por Barbara Tiemi Okamura

 

No último mês de agosto o Tribunal Constitucional do Chile aprovou uma lei que permite o aborto em três casos: risco de vida à mãe, estupro e inviabilidade do feto. A presidenta Michelle Bachelet, também ex-diretora executiva da ONU Mulheres, comemorou o acontecimento como um importante passo na luta pelos direitos das chilenas. Entretanto, 2017 é um ano de eleição presidencial no país e assim, faz-se necessário perguntar quais são as conexões entre o cenário político chileno – e latino americano – e essa conquista feminina. A presente análise argumenta que a aprovação dessa legislação pode ser um importante elemento de capital político para os candidatos.

Segundo a empresa de pesquisas Cadem, 70% dos chilenos apoiavam a descriminalização do aborto nos três casos previstos pela lei apresentada por Bachelet (LA TERCERA, 2017). A aprovação da lei também foi derivada dos esforços de movimentos feministas como o Corporación por los Derechos Sexuales y Reproductivos de las Mujeres (Miles) (MOLINA, 2017) que fizeram manifestações a favor da legislatura, pressionando tanto o Congresso quanto o Tribunal Constitucional e articulação com outras organizações sociais para angariar apoio à causa. Isto, aliado ao  discurso da deputada da oposição, Lily Pérez, que disse que era uma mulher e iria votar em defesa daquilo que as mulheres chilenas sentiam (MOLINA, 2017) deixa clara a importância da pauta para a sociedade chilena, especialmente para as mulheres.

A partir disso, deve-se observar de que forma os discursos de defesa ou rechaço à lei poderão prejudicar ou favorecer os candidatos presidenciais. O Chile passa, assim como Brasil, Argentina e outros países latino americanos, por uma fase de grande desconfiança por parte da população com a esquerda, especificamente a esquerda social democrata e, como consequência, a imagem da atual presidenta está bastante fragilizada (MONTES, 2017). Além disso, o Chile vive uma diminuição nas suas previsões de crescimento econômico devido à contração de setores importantes – mineração, serviços empresariais, construção, etc – que juntos compõem 40% da economia (GRANADO, 2017). É neste contexto que Sebastián Piñera, candidato do bloco de direita Chile Vamos, ganha força, o que pode ser comprovado por sua vitória nas primárias com maioria significativa (MONTES, 2017).

Piñera já declarou ser contra a descriminalização do aborto, mesmo nos casos previstos por essa lei, por ser a favor da vida em todos os momentos (BBC, 2017). Sua coalizão também expressou rejeição e ainda usou o acontecimento para mostrar, de forma negativa, quais são os reais valores do governo de Bachelet e o atacou dizendo que a decisão era contra os Direitos Humanos por ser contra o direito à vida (JARA, 2017). Dessa forma, o bloco de direita fez uso da questão do aborto para fragilizar ainda mais a imagem da presidenta com o intuito de fortalecer a campanha de seu candidato, que é basicamente pautada na proposta de conduzir o país de forma muito diferente do governo vigente (CUÉ, MONTES, 2017). Por fim, esse discurso conservador do Chile Vamos e de Piñera é um ponto de aproximação com a Igreja Católica, instituição ainda muito forte e relevante no Chile, e seus apoiadores, podendo assim, ganhar seus votos.

Entretanto, esse posicionamento de Piñera é o que pode fortalecer a esquerda chilena. Alejandro Guillier, candidato pela coalizão de esquerda que se alinha com Bachelet, declarou em suas redes sociais que não serão tempos melhores para as mulheres se Piñera for eleito (LA TERCERA, 2017). Fica claro que o argumento de que o candidato de direita trará retrocessos para os direitos das mulheres tem o potencial de ser bastante convincente para eleitores, especialmente eleitoras. Esse raciocínio ainda é fortalecido pelos desenvolvimentos da lei em questão, uma vez que há um processo para alterar partes dessa, o que é considerado como um retrocesso e que é movimentado pela oposição, Chile Vamos (AYALA, VALENZUELA e CARO, 2017).

Ademais, Guillier pode se beneficiar da proximidade de seu bloco com a presidenta. Michelle Bachelet foi, de fato, pivô da aprovação da lei que permite o aborto em três ocasiões: ela a propôs em janeiro de 2015 e desde então tem direcionado esforços para que a promulgação ocorresse, defendendo publicamente que as mulheres deveriam ter escolhas e sendo bem sucedida por ter conseguido os votos de seu bloco, mesmo enfrentando resistências internas, que partiam do Partido Democrata Cristão. Um argumento possível a favor de Guillier seria que ele daria continuidade às conquistas sociais e à visibilidade de pautas consideradas progressistas, por pertencer ao bloco de Bachelet, coalizão que a apoiou no Congresso para que a lei fosse aprovada e que recentemente se separou do Partido Democrata Cristão (MONTES, 2017).

Essa mesma importância pessoal de Michelle Bachelet na luta pelo direito ao aborto tem o potencial de beneficiar outra presidenciável, Beatriz Sanchéz, do bloco Frente Ampla. Este propõe uma nova esquerda, que realmente supere problemáticas que a esquerda social democrata do Chile não conseguiu resolver (MONTES, 2017). Essa é uma das bases da imagem de Sanchéz, que poderia ganhar maior proeminência por ser mulher. A lei de descriminalização do aborto em certos casos é uma vitória para muitas chilenas e o fato de ter sido liderada por uma mulher é muito simbólico. Isso contribui fortemente para o argumento de que mulheres no poder têm maior tendência a agir em defesa dos interesses de mulheres e por isso, se busca-se outros avanços nos direitos femininos, eleger uma presidenta é a melhor chance. Considerando que Beatriz Sanchéz é a principal, se não única, mulher concorrendo à presidência, é fácil enxergar como a aprovação dessa lei a favorece, principalmente quando se lembra da sua proposta de renovação da esquerda.

Dessa forma, pode-se traçar previsões para o contexto chileno. Um cenário muito possível é que o Chile não destoe do processo de crise das esquerdas e fortalecimento das direitas que ocorre na América Latina – e no mundo – e dê mais importância a questões econômicas, como a diminuição do crescimento, do que outras. Isso enfraqueceria os argumentos contrários a Piñera, que apontam o seu conservadorismo e a vontade de seu bloco de retroceder a lei do aborto. Caso seja eleito, será realmente preocupante o efeito que um presidente com posicionamento conservador e com apoio partidário, nesse sentido, pode ter sobre a legislação e, consequentemente, sobre os direitos das mulheres.

Assim, tem-se que as pautas feministas têm ganhado relevância nas políticas de inúmeros países, como o Chile. A sua importância se mostra não só nos avanços alcançados, e nesse caso, uma conquista que vai contra crenças cristãs em um país onde a Igreja Católica ainda é muito influente, mas na possibilidade do uso dessas pautas como capital político, motivando declarações de candidatos, coalizões e podendo prejudicar ou beneficiar as chances de Piñera, Guillier e Sanchéz de chegar à presidência.

 

Referências:

AYALA, L., VALENZUELA, P. e CARO, I. ‘Cámara Pide al Tribunal Constitucional Rectificar Fallo por Objeción de Conciencia’, La Tercera, 2017, diponível em < http://www.latercera.com/noticia/camara-pide-al-tribunal-constitucional-rectificar-fallo-objecion-conciencia/>

CADEM: 70% respalda aprobación del TC al proyecto de aborto, La Tercera, 2017, disponível em <http://www.latercera.com/noticia/cadem-70-respalda-aprobacion-del-tc-al-proyecto-aborto/>

CHILE Aprueba la Despenalización del Aborto en Tres Causales en Histórica Decisión, BBC, 2017, disponível em <http://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-41006338>

JARA, Alejandra ‘Chile Vamos “Lamenta” Aprobación de Aborto en TC’, La Tercera, 2017, disponível em <http://www.latercera.com/noticia/chile-lamenta-aprobacion-aborto-tc/>

CUÉ, Carlos E.; MONTES, Rocío ‘Sebatián Piñera: ‘O Chile Perdeu o Rumo com Bachelet’’, El País, 2017, disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/22/internacional/1492814810_813701.html>

GUILLIER Arremete Contra Piñera por Aborto: “Con Él No Serán Tiempos Mejores para las Mujeres”, La Tercera, 2017, disponível em <http://www.latercera.com/noticia/guillier-arremete-pinera-aborto-no-seran-tiempos-mejores-las-mujeres/>

GRANADOS, Óscar, MONTES, Rocío ‘América Latina Se Recupera, Mas Sem Criar Empregos’, El País, 2017, disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/04/internacional/1501845521_982140.html>

MICHELLE Bachelet a la BBC Sobre el Aborto en Chile: “Soy una Convencida de que las Mujeres Deben Tener la Posibilidad de Decidir”, BBC, 2016, disponível em <http://www.bbcmundo.com/mundo/noticias-america-latina-37502972>

MOLINA, Paula ‘Las Mujeres Clave en la Despenalización del Aborto en Tres Causales en Chile’, BBC, 2017, disponível em <http://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-40998456>

MONTES, Rocío ‘Centro e Esquerda Rompem pela Primeira vez em Três Décadas no Chile’, El País, 2017, disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/01/internacional/1493596304_477769.html>

MONTES, Rocío ‘Chile se Soma à Crise Global da Social-Democracia’, El País, 2017, disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/20/internacional/1495246013_366842.html>

MONTES, Rocío ‘Piñera Obtém Uma Vitória Expressiva nas Primárias da Direita Chilena’, El País, 2017, disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/03/internacional/1499055793_670929.html>