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por Marina Morena Alves

por Marina Morena Alves

“Teachers, don’t give us too much homework” ¹
(Mensagem coletiva enviada pelos garotos presos em caverna na Tailândia)

 

Por 24 horas durante a última semana, os olhos do mundo estavam voltados para a Tailândia, especialmente para a caverna Tham Luang Nang na província de Chiang Rai. Doze meninos e seu treinador de futebol ficaram presos na caverna devido às progressivas inundações, tornando impossível seu resgate imediato. Diante da complexidade da situação, em termos técnicos e assistenciais, se tornaram imprescindíveis não só as ações da marinha tailandesa, mas também a colaboração da comunidade internacional. Desse modo, são colocadas em pauta tanto a importância da solidariedade internacional² quanto, simultaneamente, o questionamento de seus efeitos em longo prazo, tomando como exemplo o período posterior ao resgate dos mineiros chilenos no Deserto do Atacama, em 2010.

 

No dia 23 de junho o time de futebol, Javalis Selvagens³, saía em excursão pela caverna Tham Luang Nang, contudo a forte chuva na região impediu sua saída, os obrigando a procurar um lugar seguro dentro da própria caverna. Após uma série de buscas de equipes de resgate tailandesas, estadunidenses e britânicas, o time foi encontrado a 4 km da entrada da caverna, no dia 2 de julho (CNN, 2018). No entanto, o resgate imediato foi dificultado tanto por passagens estreitas e escuras quanto pelas correntes fortes na água turva no interior da caverna, tornando, portanto, necessária a criação de uma rede de assistência e suporte aos garotos para um resgate futuro. Assim, foram fornecidos alimentos, ajuda médica, remédios e outros suprimentos levados por mergulhadores experientes até a localização do time.

 

Diante dessa situação, são iniciadas as discussões sobre as estratégias do resgate com especialistas voluntários da Austrália, China, Laos, Mianmar, Israel, Reino Unido, Estados Unidos e Japão (SCMP, 2018a). Além disso, foram empregadas tecnologias israelenses de comunicação e bombas de água para drenagem do interior da caverna (JPOST, 2018) e dadas aulas de mergulho ao time de futebol. Após uma série de propostas de resgate, optou-se pela saída dos garotos pela caverna com a companhia de dois mergulhadores4, num percurso de volta que durou seis horas. De acordo com Narongsak Osottanakorn (BBC, 2018), governador da província de Chiang Rai e chefe da operação de resgate, 90 mergulhadores estavam envolvidos no resgate dos garotos, sendo que 50 deles eram estrangeiros e 40 tailandeses.

 

O sucesso da operação de resgate fortaleceu a união na Tailândia e, principalmente, o governo Tailandês, que antes era marcado pela instabilidade de diversas facções políticas e agitação civil, assim “os garotos se tornaram um símbolo da esperança nacional” (NSM, 2018, tradução própria). Ademais, a colaboração de agentes externos repercutiu na legitimidade das forças armadas tailandesas, sobretudo, da marinha tailandesa, vinculando determinado reconhecimento externo, conforme citado por Laura Villadiego (SCMP, 2018b). Em suma, a solidariedade internacional também detém efeitos no âmbito doméstico, demonstrando sua imprescindibilidade nas relações internacionais contemporâneas.

 

A participação de agentes de diversas nacionalidades na operação de resgate do time de futebol demonstra um esforço internacional que transcende diferentes visões políticas e culturais em prol de um objetivo comum: resgatar os garotos. Nesse sentido, a colaboração assumida pelos voluntários e colaboradores torna visível o poder alcançado quando se reconhece a força da própria união (NSM, 2018). Um caso singular de recusa de ajuda internacional ocorreu em 2000 com o submarino russo Kursk que afundou no mar de Barents: o resgate imediato dos 118 marinheiros a bordo – que se mantiveram vivos por dois dias – foi bloqueado por Moscou, resultando na morte por afogamento de todos os envolvidos (WHO, 2016).

 

Por outro lado, o resgate bem sucedido dos 33 mineiros soterrados numa mina de cobre San José no Chile, em 2010, é um exemplo que afirma a importância da solidariedade e colaboração internacional. Além dos esforços de países como Canadá, Argentina e Paquistão no fornecimento de suprimentos e agentes, a contribuição técnica da NASA – agência do Governo Federal dos Estados Unidos – foi essencial para recomendações ligadas desde táticas de sobrevivência em ambientes hostis ao design do veículo de extração dos mineiros (NASA, 2015). Entretanto, ainda que a cooperação de agentes externos seja tão positiva no curto prazo, sua eficiência no longo prazo pode ser questionada com facilidade, principalmente no que concerne a contextualização local da solidariedade internacional e, ao mesmo tempo, suas dimensões eventuais e posteriores.

 

No caso chileno, dos mineiros soterrados, tal perspectiva pode ser constatada em três esferas: a vida pessoal e profissional dos mineiros e, por último, as condições trabalhistas das minas chilenas após a situação trágica de soterramento. Em primeiro lugar, a vida pessoal dos envolvidos contornam problemas de saúde recorrentes como ataques de pânico e insônia. Já na vida profissional é destacada a dificuldade para arranjar emprego, conforme apontado por Omar Reygadas, ex-mineiro: “estou muito velho para voltar para a mineração, mas os outros mineiros que querem trabalhar não conseguem” (apud TERRA, 2015). Enfim, se destaca a falha chilena em ratificar convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no tocante a segurança e adequação das minas pelo país, apresentando condições insalubres e situações de risco, mesmo após o trágico acontecimento de 2010 (THE GUARDIAN, 2010).

 

Sob o mesmo ponto de vista, insere-se uma discussão que permeia o futuro dos garotos da Tailândia e de seu técnico, principalmente no que concerne aos cuidados médicos e ao acompanhamento psicológico direcionado a eles. É perceptível que a solidariedade internacional detém uma tendência de se esgotar após um curto prazo de repercussão das situações, sem se preocupar com as consequências, causas ou demais desdobramentos, como ocorreu no caso dos ex-mineiros chilenos, resultando numa responsabilidade e atuação prioritária do próprio Estado ou de agentes nacionais. Mesmo assim, “as operações de resgate com a colaboração internacional estão se tornando um novo paradigma para as relações internacionais” (THE BLADE, 2018) por desafiarem não só uma perspectiva egoística dos Estados, mas também por questionarem seu papel unitário e assumirem a relevância de outros atores internacionais.

 

Sendo assim, a solidariedade internacional se torna imprescindível para a composição do cenário global contemporâneo, vinculando efeitos tanto domésticos quanto externos e demonstrando que a união dos Estados e outros agentes em prol de um objetivo comum pode resultar em benefícios incalculáveis como, especialmente em um ano de Copa do Mundo, o futuro do time de futebol mais importante do momento: os Javalis Selvagens.

 

[1] “Professores, não nos deem tanta tarefa de casa”.

[2] “A solidariedade internacional é um conceito complicado, sendo especialmente difícil a sua definição, o que o torna quase abstrato.  Mas onde quer que ela exista, é inconfundível, permeando pensamento e ação, e seus efeitos são evidentes.” (ONU, 2012).

[3]  Wild Boars ou Moo Pa (em tailandês)

[4] Para saber mais acesse: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-44765295&gt>

 

Referências bibliográficas

BBC. Meninos presos em caverna na Tailândia: Quatro resgatados estão em ‘perfeitas condições’. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44757119>. Acesso em 9 jul 2018.

CNN. Thai cave rescue suspended for the Day after four more boys freed. 2018. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2018/07/09/asia/thai-cave-rescue-intl/index.html>. Acesso em 10 jul 2018.

JPOST (The Jesuralem Post). Israeli technology to the rescue for cave trapped thai boys. 2018. Disponível em: <https://www.jpost.com//Israel-News/Israeli-technology-to-the-rescue-for-cave-trapped-Thai-boys-561806>. Acesso em 10 jul 2018.

NASA. How NASA Helped ‘The 33’ Chilean Miners. 2015. Disponível em <https://www.nasa.gov/feature/how-nasa-helped-the-33-chilean-miners&gt;. Acesso em 10 jul 2018.

NSM (New State Man). Plight 12 lost boys cave has brought turbulent Thailand back together. 2018. Disponível em: <https://www.newstatesman.com/world/asia/2018/07/plight-12-lost-boys-cave-has-brought-turbulent-thailand-back-together&gt;. Acesso em 10 jul 2018.

ONU. Relatório da ONU sobre Direitos Humanos e Solidariedade Internacional. IFP. 2012. Disponível em: <http://ifp-fip.org/pt/relatorio-da-onu-sobre-direitos-humanos-e-solidariedade-internacional/>. Acesso em 10 jul 2018.

SCMP (South China Morning Post). Global cooperation shines light thai heart darkness. 2018a. Disponível em: <https://www.scmp.com/comment/insight-opinion/article/2153826/global-cooperation-shines-light-thai-heart-darkness>. Acesso em 9 jul 2018.

______. Will thai junta use cave rescue soccer team to save itself? 2018b. Disponível em: <https://www.scmp.com/week-asia/politics/article/2153874/will-thai-junta-use-cave-rescue-soccer-team-save-itself>. Acesso em 10 jul 2018.

TERRA. Após 5 anos, 33 mineiros chilenos encontram dificuldades. Brasil. 2015. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/cinco-anos-depois-33-mineiros-chilenos-enfrentam-dificuldades,f8967af4f7f28e5a6f12852a12824d803m4fwudf.html>. Acesso em 10 jul 2018.

THE BLADE. Thai boys bring world closer. 2018. Disponível em: <http://www.toledoblade.com/Editorials/2018/07/08/Thai-boys-bring-world-closer.html>. Acesso em 10 jul 2018.

THE GUARDIAN. Chile miners: rescue joy must not derail focus on why mine collapse happened. 2010. Disponível em: <https://www.theguardian.com/global-development/poverty-matters/2010/oct/13/chile-miners-rescue-mine-collapse>. Acesso em 10 jul 2018.

WHO. The Tragedy Of The Russian Submarine “Kursk” – A Naval Disaster For Russia In The Year 2000. 2016. Disponível em: <https://www.warhistoryonline.com/military-vehicle-news/kursk-submarine-disaster-watch.html>. Acesso em 9 jul 2018.