por Luiane Magalhães Dias
“Policy sits above the concience”
William Shakespeare
Se algum místico ou economista em um passado recente dissesse que o Brasil estagnaria seu crescimento em 2014, provavelmente ninguém daria crédito. Parecia que o futuro previsto pelo escritor austríaco Stefan Zweig, que cunhou o termo “Brasil o país do futuro”, tinha de fato chegado. E o Brasil se mostrava cada vez mais ser um país de orgulho para o povo brasileiro, com reconhecimento no exterior, não é à toa que foi eleito para sediar a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Parecia de fato ser a hora dos BRICS alavancarem, e o Brasil estava em uma posição privilegiada entre os principais emergentes do mundo.
O ano de 2014 pode ter sido o momento de virada de um caminho de crescimento econômico e redução das desigualdades sociais, que parecia sólido, para um momento de aumento da violência, pobreza e desemprego. De lá para cá, o Brasil enfrentou uma crise política, econômica e moral, que de modo menos latente vigora até hoje, e bastou isso para o futuro brasileiro ser interrompido por um presente com as marcas amedrontadoras do passado[1].
Assim, o aumento da violência no Brasil vem crescendo consideravelmente nos últimos anos. Temos a exemplo, os aumentos dos conflitos agrários na região Norte e a violência generalizada no Rio de Janeiro, cidade que, no dia 1° deste mês, foi marcada por dois eventos, um positivo e o outro que representa uma vergonha para o nosso país. Mantendo a exuberância, a bela cidade brasileira sediou pela primeira vez no hemisfério Sul o “Congresso Internacional dos Matemáticos”, evento que ocorre desde fins do século XIX (IMU, s.d). Já o segundo evento reflete a situação vivenciada por nosso país: o iraniano Caucher Birkar, vencedor de uma das quatro medalhas Fields, que é concedida em ocasião do Congresso, teve seu prêmio roubado. A medalha de ouro era estimada em aproximadamente 16 mil reais (“GANHADOR”, 2018), tendo, entretanto, valor inestimável para um refugiado curdo que apenas por instantes pôde ter o prêmio em mãos.
Eventos como esse parecem retomar a descrição de “país das contrariedades”, como defendido pelo economista Edmar Bacha, na década de 70 do século passado, com a criação do termo “Belíndia”, caracterizando o Brasil como um país contraditório, que agrupa simultaneamente as características da Bélgica, desenvolvida e com elevada qualidade de vida, e da Índia, pobre e com a maioria da população em estado de miséria e vulnerabilidade (FELDMAN, 2018).
O retrato desse retrocesso se revela nas Agendas de Desenvolvimento da ONU. O Brasil se mostrou exemplar no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), alcançando e superando a maioria das metas dos ODM antes de 2015 (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2017). Resultado muito diferente está ocorrendo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030[2], na qual especialistas apontam que poucos foram os passos dados para a implementação dos ODS no país até o momento (NILO; PINTO, 2017).
Assim[3], retrocedemos com o aumento da pobreza e da fome, com o surto de doenças que estavam controladas ou eram inexistentes no passado, como no caso da malária, febre amarela, chikungunya e zika, e com relação inclusive com a questão do saneamento básico, problema que nunca foi resolvido no Brasil mas que se torna um obstáculo ainda maior com o crescimento da pobreza e da fome. O desemprego, que se mantinha controlado desde o início do século, vem alcançando índices alarmantes com a marca recorde de 13,1% no primeiro trimestre deste ano (IBGE apud GRUPO DE TRABALHO DA SOCIEDADE CIVIL PARA AGENDA 2030, 2018). Tudo isso reverbera no crescimento da desigualdade social no Brasil, que, como demonstrada no seguinte gráfico, aumentou bruscamente em 2015, após uma redução do índice desde 2003 (GRUPO DE TRABALHO DA SOCIEDADE CIVIL PARA AGENDA 2030, 2018).
Fonte: Ipeadata/PNAD e IBGE/PNAD (GRUPO DE TRABALHO DA SOCIEDADE CIVIL PARA AGENDA 2030, 2018).
Por coincidência, no mesmo dia que roubaram a medalha do Matemático Caucher Birkar, a Capes enviou uma nota ao ministério da Educação postulando a ameaça de extinção das bolsas de pós-graduação para o próximo ano, bem como do Programa de Iniciação Científica e do Sistema Universidade Aberta Brasil, pelos cortes orçamentários promovidos pela Reforma Constitucional 95 (LEITE; REZENDE, 2018).
De fato a política está acima da consciência, ou seja, está além daquilo que julgamos ter uma relação direta com esse poder. Uma crise política certamente reverberará na economia e nos dados sociais, como está ocorrendo no Brasil. Muitos podem argumentar que as pioras dos índices brasileiros possuem diferentes causalidades e não estão restritas apenas à política. De fato isso é certo, mas boas políticas interferem diretamente no andamento de uma sociedade, e se a política vai mal, mesmo que a economia não se abale, as questões sociais tendem a piorar[4].
É possível melhorar o futuro? Ou estamos fadados ao que ocorreu com a Argentina, que no início do século XX estava entre os sete países mais ricos do mundo e hoje não está nem sequer entre os vinte primeiros (PNUD, 2015)? Em minha opinião, sim, é completamente possível melhorarmos nossos índices sociais e obtermos crescimento econômico. A primeira tarefa é não nos estagnarmos na dependência e no fracasso econômico com relação aos países de maior desenvolvimento relativo. Outra parte depende de nossas escolhas políticas e essa resposta devemos tê-la ainda este ano, e esperamos que seja uma resposta à altura deste país das maravilhas, com um povo que precisa mais do que nunca de um governo inteligente para o crescimento econômico e principalmente sensível às nossas latentes demandas sociais.
[1] Me refiro como marcas amedrontadoras do passado o desemprego, o crescimento da pobreza, a fome de uma parte considerável da população, entre outras mazelas.
[2] Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estão presentes no documento “Transformando Nosso Mundo a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável”, a Agenda corresponde a um plano de ação de prioridades para os países seguirem a fim de se obter um Desenvolvimento pleno e sustentável, com vigência de 2015, quando foi criado, até 2030.
[3] Os retrocessos descritos correspondem aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de números 1, 2, 3, 6, 8 e 10 que dizem respeito respectivamente à pobreza, à fome, à saúde, a água e saneamento, ao emprego e às desigualdades sociais.
[4] Saliento que o roubo da Medalha Fields reafirmou a caracterização do Brasil como um país de contrariedades, e que deixou mais evidente os maus tempos que estamos passando, entretanto quando estabeleço uma relação entre política e piora dos dados sociais, não incluo o roubo da medalha; para mim a questão representa muito mais um desvio moral do que um problema estruturalista, até mesmo pelo valor simbólico que a medalha e o evento possuíam.
Referências Bibliográficas:
FELDMAN, Boris. O Brasil é mesmo uma Belíndia! Disponível em:<https://autopapo.com.br/noticia/o-brasil-e-mesmo-uma-belindia/>. Acesso em: 03 ago. 2018.
GANHADOR de ‘Nobel da Matemática’ tem medalha roubada no Rio de Janeiro. Correio Braziliense. 01 ago. 2018. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/08/01/interna-brasil,698780/ganhador-de-nobel-da-matematica-tem-medalha-roubada-no-rio-de-janeiro.shtml>. Acesso em: 04 ago. 2018.
GRUPO DE TRABALHO DA SOCIEDADE CIVIL PARA A AGENDA 2030. Relatório Luz da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável Síntese II. Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030. 2018. Disponível em:<http://actionaid.org.br/wp-content/files_mf/1532366375relatoriosicc81ntese_final_download.pdf> Acesso em: 31 jul. 2018.
INTERNATIONAL MATHEMATICAL UNION (IMU). Fields Medal [s.d]. Disponível em:<https://www.mathunion.org/imu-awards/fields-medal>. Acesso em: 04 ago. 2018.
LEITE, Hellen; REZENDE, Humberto. Sem orçamento, Capes fala em suspender bolsas de 93 mil pesquisadores. Correio Braziliense. 03 ago. 2018. Disponível em: <www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_ensinosuperior/2018/08/02/ensino_ensinosuperior_interna,698991/capes-cortara-bolsas-de-93-mil-pesquisadores.shtml>. Acesso em: 3 ago. 2018.