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por Guilherme Pimenta Cyrne

por Guilherme Pimenta Cyrne

 

A fala de Benevenuto Daciolo no debate da Band do dia 09 de agosto, conseguiu alavancar a popularidade do Cabo perante ao público, transformando-se em um dos fenômenos da internet e das redes sociais nas semanas seguintes. Infelizmente para ele, a maior parte dessa fama veio no tom de chacota, principalmente pelo seu comentário sobre o plano URSAL (União das Repúblicas Socialistas da América Latina), em questionamento ao candidato Ciro Gomes, remontando o Foro de São Paulo e uma articulação dos partidos de esquerda da América Latina.

 

Parece que Daciolo não pesquisou o suficiente, pois o referido plano (felizmente para a direita brasileira) não existe de fato. O termo “plano URSAL”, que pela primeira vez foi usado ironicamente em um artigo de jornal, teria apenas sido mencionado com seriedade por Olavo de Carvalho, cujas fontes foram obtusas. Mas aproveitando a oportunidade de se falar da integração do espaço americano, é possível identificar diversas instituições multilaterais reais entre os países do continente no continente latino-americano, o que cabe a pergunta: como as América tem figurado em termos de integração regional?

 

A ideia de integrar o continente como um todo vem desde Simón Bolívar, que tentou reunir em 1826 os latino-americanos, desde a Argentina até o México, no Congresso do Panamá. Poucas das recém independentes nações compareceram, por razões diversas. Desde então vários outros grupos surgiram na intenção de promover a integração. Levando em conta diferentes perspectivas regionais (ao incluir ou não Estados Unidos e Canadá, ou então restringir ao cone sul) e diferentes âmbitos (econômico, político, jurídico ou ambiental, por exemplo). A título de ilustração, nomeia-se a Organização dos Estados Americanos, Mercosul, ALADI, Comunidade Andina, grupo do Rio e NAFTA. Curiosamente, nenhuma delas reúne todos os países do continente, de norte a sul.

 

A lista de organizações pela integração no continente é relativamente grande. Ao mesmo tempo, não há como falar de integração regional sem mencionar o exemplo da União Europeia. Apesar do período atual do bloco ser de grandes incertezas, percebe-se que o modelo de integração da União Europeia é quase sempre tomado como principal exemplo pelos tomadores de decisão, e o seu nível de complexidade (uma união aduaneira, de livre circulação de pessoas e uma moeda comum) uma meta a ser buscada do lado de cá do atlântico. Boa parte das organizações daqui parecem sempre caminhar para uma integração ao menos parecida com a que a Europa logrou realizar.

 

Andrés Malamud e Gian Luca Gardini (2012) argumentam que o “regionalismo divergente” promovido pelas múltiplas organizações que falham em reunir todos os países acaba por separar o Norte, o Sul e o Centro mais do que integrar. Além disso, as múltiplas tentativas de tantos projetos segmentados e sobrepostos é um sinal de exaustão do seu potencial. A integração europeia não falha nesse aspecto, já que esta, através de sistemas como a própria União Europeia, a Zona do Euro e o Conselho Europeu são concêntricas e não sobrepostas.

 

Realmente, a Organização dos Estados Europeus é extremamente eficiente e foi capaz de promover uma estrutura muito robusta de integração, de maneira tal que nada nas Américas consegue ao menos se aproximar. O Mercosul talvez tenha conseguido ensaiar alguns dos aspectos econômicos de união aduaneira e da livre circulação de pessoas. No entanto, ainda assim foi limitado (não há força suficiente para implantar uma moeda comum, por exemplo) e inclui um número pequeno de países no bloco. Mas no geral, a integração europeia como modelo tornou-se mais a utopia inalcançável do que uma possibilidade sólida. Mas afinal, será que a União Europeia deveria ser o modelo a ser seguido?

 

É claro que a integração final dos países das Américas deve ser um objetivo a ser perseguido. O continente como um todo representa uma imensa força econômica, política, cultural, comercial, jurídica (em especial em matéria de direitos humanos), que poderia ter um potencial transformador sem igual se houvesse uma articulação coesa e objetivos comuns. Os países da América Latina, por exemplo, ainda compartilham de uma raiz histórica comum relativamente forte, como a ferida colonial[1], o período de ditaduras e a recente “guinada à esquerda” que parece ter chegado ao fim[2].

Talvez seguir o exemplo da União Europeia não seja necessariamente o caminho para a integração do continente (com certeza o modelo soviético à lá URSAL também não). Ao invés de considerar exemplos de fora, levar em conta os fatores históricos, culturais, econômicos e políticos regionais para conseguir coordenar toda a diversidade e todos os esforços em um único caminho convergente. O relatório da CEPAL de 2014 por ocasião do trigésimo quinto período de sessões aponta para essa direção (CEPAL, 2014).

 

Vale aqui a reflexão. Usar o exemplo da União Europeia para modelo de integração continental pode até ser um caminho possível, mas deve-se lembrar que a própria nasceu de uma organização bem menos ambiciosa; o Benelux, que mais tarde evoluiu aos poucos, adicionando membros e pautas, englobando cada novo membro e nova agenda de maneira muito orgânica ao desenvolvimento do continente. Nas Américas, há diferentes fatores, um diferente histórico em um diferente momento político e econômico. Evidentemente, é possível criar um modelo bem sucedido de integração nesta porção de terra, mas apenas se for levado em conta esses fatores específicos.

 

Enfim, a integração regional das Américas continua sendo um assunto demasiado complexo e multifacetado. As tentativas anteriores que acabaram criando sobreposições e maiores distâncias institucionais entre as regiões precisam ser agora instrumentalizadas para criarem um denominador comum, em um afastamento pragmático dos exemplos em outros cantos do mundo, para levar-se em consideração as necessidades e pautas daqui. A partir disso, deverá ser possível ver um maior desenvolvimento para os países de maneira conjunta.

 

[1] O conceito de ferida colonial é bastante desenvolvido do Walter Mignolo. Ver mais em MIGNOLO, 2007.

[2] Ou “onda rosa”, como identifica-se o fenômeno de ascensão de partidos de esquerda aos governos de diversos países da América Latina durante a primeira década dos anos 2000.

 

Referências Bibliográficas:

MALAMUD, Andrés; GARDINI, Gian Luca. Has Regionalism Peaked? The Latin American Quagmire and its Lessons. The International Spectator: Italian Journal of International Affairs, v. 47, n. 1, p. 116–133, 2012.

MIGNOLO, Walter. La idea de América Latina: la herida colonial y la opción decolonial. Barcelona: Gedisa, 2007.

CEPAL. Integração regional: por uma estratégia de cadeias de valor inclusivas. NY & Santiago, Chile, 2014.