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por Daniel Gualberto

por Daniel Gualberto

 

Acompanhado por dias de manifestações, o 67º Encontro Anual da Comissão Baleeira Internacional (CBI) – que ocorreu em Florianópolis durante os dias 4 e 14 de setembro – ficou marcado pela já tradicional disputa entre os países que são contrários e os que são favoráveis à pesca baleeira. Alcançaram-se três importantes decisões durante o evento: a rejeição da criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul; a adoção da Declaração de Florianópolis, proposta brasileira que reitera a importância da moratória sobre caça comercial de baleias; e, mais significativamente, a rejeição de uma proposta japonesa para liberar esse mesmo tipo de caça (G1, 2018). A tentativa nipônica representa mais um capítulo da histórica e polêmica relação entre Japão e pesca baleeira, marcada por conflitos de natureza cultural, comercial e de política interna e externa.

 

As relações japonesas com a caça de baleias

A história recente da pesca de baleias no Japão, que remonta ao século XII (JAPAN WHALING ASSOCIATION, 2018), foi marcada por um aumento dessa prática após a Segunda Guerra Mundial, motivado pela escassez de alimentos (VOX, 2016). Desse período até meados dos anos 1960, a carne de baleia foi o tipo de carne mais consumido no país [1]. A partir de 1967, o consumo de outros animais, como frango e porco, ultrapassou o de baleias, que, já na década de 1980, representava menos de 2% do consumo total. Em 2013, por exemplo, consumiu-se cerca de 1% dos valores registrados em 1962 (INTERNATIONAL FUND FOR ANIMAL WELFARE, 2013).

 

Durante a segunda metade do século XX, concomitantemente à ascensão e queda do consumo de baleias no Japão, houve uma série de esforços internacionais para a preservação dos números desses animais nos oceanos – prejudicados pela pesca intensa. Ao fim de 1946 foi assinada a Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da Baleia, que visava ao desenvolvimento ordenado da pesca baleeira e, ao mesmo tempo, à proteção de espécies ameaçadas. Para garantir a implementação da convenção, a CBI foi formada dois anos mais tarde (MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF JAPAN, 2018). Desde de que entrou em operação, houve tensão entre os países favoráveis e contrários à pesca baleeira – com uma importante vitória deste último grupo em 1982, quando foi estabelecida a moratória sobre a pesca comercial de baleias, vigente até hoje.

 

O Japão deixou de contestar a moratória em 1985 – o que não significou o abandono, na prática, da pesca baleeira. Aproveitando-se de uma brecha nas regras da moratória, que abre exceção para pesquisa científica, o governo japonês passou a caçar diferentes espécies de baleias alegando fins de estudo. Em 2014, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) julgou ilegal a pesca, supostamente científica, de baleias levada a cabo pelo Japão na Antártica; a decisão, no entanto, foi posteriormente ignorada pelo país, que considerou a jurisdição da Corte não se aplicava sobre os recursos marítimos. Além disso, através principalmente da alocação de recursos de ajuda internacional, os japoneses passaram a pressionar outros países – majoritariamente do Caribe e do Oeste Africano – para que entrassem na CBI e votassem em bloco a favor das medidas defendidas pelos japoneses (BUTLER-STROUD, 2016; THE SYDEY MORNING HERALD, 2018; VOX, 2018).

 

O que guia o Japão: custos e ganhos

Considerando a tendência histórica de baixa do consumo interno de carne de baleia, vale a pena questionar as motivações japonesas para arcar com os custos financeiros e diplomáticos acarretados pela defesa da caça baleeira. Enquanto diversas hipóteses são levantadas para explicar o posicionamento japonês – motivos materiais, culturais e de estrutura política são alguns exemplos – nem todos são abertamente declarados, dificultando a tarefa de apontar quais têm maior ou menor importância.

 

Em seu estudo, Keiko Hirata argumenta que a explicação para o posicionamento japonês é encontrada ao se analisar as estruturas domésticas cultural e política. No lado cultural, a autora elenca três perspectivas que impedem o povo japonês de enxergar as normas internacionais com certo grau de legitimidade: (i) a percepção de que comer carne de baleia é um costume difundido e milenar – mesmo que isso não se sustente historicamente; (ii) a ideia popular de que baleias são peixes e não mamíferos; (iii) um ressentimento para com uma aparente interferência ocidental em hábitos locais (2005). A última dessas perspectivas pode se associar ao movimento político japonês chamado Nippon Kaigi, que tenta reforçar o papel da pesca baleeira no ideário nacionalista (BUTLER-STROUD, 2016).

 

A explicação política é relativamente mais simples: a estrutura que versa sobre questões baleeiras é muito hierarquizada e a liderança burocrática, forte. A caça de baleias, por ser considerada uma atividade pesqueira, fica sob supervisão da Agência de Pescas que, por sua vez, faz parte do Ministério de Agricultura, Silvicultura e Pesca [2]. Além desses fatores que dificultam o aparecimento de posicionamentos contrários à caça, é possível, também, que essas agências tenham medo de perder poder político com o fim da pesca de baleias (HIRATA, 2005).

 

Já Butler-Stroud, ao levantar sua série de explicação para as atitudes japonesas, traz um interessante argumento econômico e material – também levantado numa coluna de opinião do New York Times dois anos antes (2018) – à contenda da caça baleeira. O autor argumenta que a resistência do governo japonês às consecutivas tentativas de restringir a caça baleeira não parte necessariamente da defesa do pouco lucro que essa prática traz, mas, sim, de uma vontade de defender a pesca japonesa como um todo (2016). Haveria um medo, sustentado, em parte, por uma experiência dos anos 1980 com os Estados Unidos, de que outras pescas de grande importância para o Japão – como a de atum – poderiam ser restringidas caso o governo cedesse na questão baleeira (THE NEW YORK TIMES, 2018). Aqui, como no argumento político de Hirata, uma proibição à caça não seria ruim por si só; consequentes perdas de poder ou direitos seriam os verdadeiros perigos a se evitar.

 

Alguns desses posicionamentos já foram postos explicitamente e outros, não. Um argumento abertamente defendido pelo governo japonês contra o fim da moratória, por exemplo, é a ideia de que a população de diversas espécies de baleias já se normalizou e uma pesca comercial regulada pela CBI não traria riscos para a sobrevivência delas (ABC NEWS, 2018). Isso, no entanto, não diz muito além daquilo que já se sabe: o governo Japonês quer manter, no mínimo, ou expandir a caça de baleias, apesar de os dados apontarem a prática como pouco sustentável economicamente.

 

A já citada baixa de consumo interno de baleia – em 2012, por exemplo, o leilão da carne das baleias mortas para “pesquisas científicas” viu apenas ¼ de seu estoque ser vendido – faz com que os ganhos desse mercado não alcancem o valor necessário para manter a frota baleeira. Nesse sentido, o Instituto de Pesquisa de Cetáceos, responsável pelas expedições baleeiras científicas, recebe subsídios governamentais no montante de dezenas de milhões de dólares. De acordo com pesquisas de opinião conduzidas em 2012, apenas 1.8% dos entrevistados apoiavam completamente o uso de dinheiro público para bancar pesca baleeira (INTERNATIONAL FUND FOR ANIMAL WELFARE, 2013).

 

A esperança a longo prazo

Mesmo sem apontar qual dos fatores citados tem maior influência no comportamento japonês, fica evidente que dificilmente o país mudará seu posicionamento em curto prazo. As estruturas internas e as estratégias externas já há tempo seguem no mesmo caminho, apesar de duvidoso que as baleias sejam em si o objetivo final dessas práticas.


No âmbito da política interna, as perspectivas de mudanças são desanimadoras; o corpo burocrático japonês e as relações entre ministérios devem ser alterados para que o abandono da caça se torne politicamente tolerado ou desejado. É possível que uma garantia internacional de manutenção de diferentes pescas possa evitar anseios internos – isso, no entanto, não deve significar o abandono da proteção de outras espécies marinhas.

 

Por outro lado, a população nipônica parece trazer alento à defesa das baleias. Tanto em hábitos quanto em opinião, o público japonês não se mostra muito aberto à caça e venda desses animais. Contudo, há uma importante exceção: a reação adversa às tentativas internacionais de controle e constrangimento das práticas japonesas. Talvez fosse mais prudente esperar a rejeição popular japonesa à caça se fortalecer sozinha – seja pela dispensabilidade ou pelos custos dessa prática. Manter e fortalecer os mecanismos internacionais de proteção às baleias é essencial, mas a esperança de um recuo japonês definitivo reside em seu povo e não em seu governo.

 

[1] A fonte consultada não disponibiliza dados sobre o consumo de peixe

[2] Tradução própria de Ministry of Agriculture, Forestry and Fisheries.

 

Referências Bibliográficas

ABC NEWS. Japan to continue to push resumption of commercial whaling. Disponível em: <https://abcnews.go.com/international/wirestory/japan-continue-push-resumption-commercial-whaling-58115841&gt;. Acesso em: 27 set. 2018.

BUTLER-STROUD, Christopher. What Drives Japanese Whaling Policy?. Frontiers in Marine Science, [S.L], v. 3, mar. 2016. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmars.2016.00102/full#h7

G1. Proposta de liberar caça a baleias tem votação adiada em florianópolis. Disponível em: <https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2018/09/13/proposta-de-caca-a-baleias-tem-votacao-adiada-em-florianopolis.ghtml&gt;. Acesso em: 27 set. 2018.

HIRATA, Keiko. Why Japan Supports Whaling. Journal of International Wildlife Law and Policy, [S.L], v. 8, p. 129-149, jan. 2015.

INTERNATIONAL FUND FOR ANIMAL WELFARE. The Economics of Japanese Whaling: A Collapsing Industry Burdens Taxpayers. Massachusetts, 2013. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/ifaw-pantheon/sites/default/files/legacy/economics-of-japanese-whaling-japan-ifaw.pdf

JAPAN WHALING ASSOCIATION. History of whaling. Disponível em: <https://www.whaling.jp/english/history.html&gt;. Acesso em: 27 set. 2018.

MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF JAPAN. Iwc management. Disponível em: <https://www.mofa.go.jp/ecm/fsh/page25e_000228.html&gt;. Acesso em: 27 set. 2018.

THE NEW YORK TIMES. The big lie behind japanese whaling. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2014/10/14/opinion/the-big-lie-behind-japanese-whaling.html&gt;. Acesso em: 27 set. 2018.

THE SYDNEY MORNING HERALD. Japan rejects international court jurisidiction over whaling. Disponível em: <https://www.smh.com.au/politics/federal/japan-rejects-international-court-jurisidiction-over-whaling-20151019-gkc7rm.html&gt;. Acesso em: 27 set. 2018.

VOX. Japan’s excuse for killing 333 whales in antarctica is ridiculous. Disponível em: <https://www.vox.com/2016/3/28/11318512/japan-kill-minke-whales&gt;. Acesso em: 27 set. 2018.