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PET-REL

Lenira Oliveira

 

Em 9 de setembro de 2025 foi inaugurado o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia (CCPIA), sediado em Manaus. Com o investimento de mais de R$36 milhões, a unidade visa promover a colaboração entre os nove países amazônicos e os estados brasileiros que compõem a Amazônia Legal no combate a crimes ambientais, tráfico de ilícitos e de pessoas na região Amazônica (Brasil, 2025b).

Essa iniciativa insere-se em um contexto de crescente avanço de organizações criminosas na Amazônia. As redes do narcotráfico, por exemplo, demonstram sua facilidade de adaptação e inovação, alterando seus métodos operacionais e fontes de receitas, diversificando seus interesses ao explorar mercados que oferecem mais rentabilidade e um menor risco, como é o caso do garimpo ilegal e da grilagem de terras (Mello, 2025).  

Diante desse panorama, pode-se refletir se a criação do Centro representa um avanço genuíno na cooperação regional ou é, tão somente, a face "internacionalizada" de uma política interna de securitização. Então, a presente análise busca investigar as potencialidades e os limites do CCPIA à luz da dicotomia securitização-cooperação, pois embora sua criação represente um passo importante para a integração policial, sua efetividade no longo prazo será determinada pela capacidade de superar uma lógica puramente securitizante ao priorizar uma cooperação multidimensional que enfrente as causas socioeconômicas da expansão do crime na região.

 

A Amazônia e as complexidades associadas a ascensão do Crime Organizado Transnacional na região

 

A Amazônia Internacional, ou Panamazônia, constitui um palco de complexidades únicas que favorecem a ascensão e a consolidação do crime organizado transnacional. Caracterizada por uma vasta extensão territorial de mais de 13 mil km de fronteiras no lado brasileiro, baixa densidade demográfica e uma presença estatal historicamente frágil e dispersa, a região oferece um ambiente propício para a proliferação de ilícitos (FBSP, 2023; Franchi, 2023). Nesse contexto de vulnerabilidades logísticas e institucionais, observa-se uma expansão preocupante de facções criminosas que exploram as fronteiras permeáveis para estabelecer uma estrutura espacial complexa, formada por pistas de pouso clandestinas, portos ilegais e estradas, conferindo fluidez à circulação de bens ilícitos (Couto, 2023).

A natureza do crime na região é intrinsecamente transnacional e híbrida, caracterizando-se pela simbiose entre diferentes atividades ilícitas. O garimpo ilegal, por exemplo, não atua de forma isolada; ele financia e é financiado pelo tráfico de armas, que, por sua vez, fortalece facções criminosas dedicadas ao narcotráfico (ABIN, 2024; UNODC, 2023). Essa convergência criminal gera um ecossistema de ilegalidades onde crimes ambientais, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e corrupção se sobrepõem e se potencializam, criando um desafio multidimensional para as autoridades (UNODC, 2023).

A geopolítica do crime na Amazônia é dinamizada pela atuação de atores diversificados e cada vez mais interligados. Facções brasileiras de origem prisional, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), expandiram sua influência para além das suas regiões de origem, articulando-se com cartéis andinos e grupos armados dissidentes, como as dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) (International Crisis Group, 2024; FBSP, 2023). A interação entre esses diferentes grupos criminosos é particularmente crítica em zonas de tríplice fronteira, como a região do Trapézio Amazônico (Brasil, Colômbia, Peru), onde os rios servem como corredores naturais para o escoamento de drogas, ouro ilegal e madeira, tornando-a um epicentro de logística criminal (UNODC, 2023).

As consequências dessa criminalidade desenfreada extrapolam a questão da segurança pública, impactando profundamente os direitos humanos, o meio ambiente e a soberania nacional dos países envolvidos. Nesse contexto, comunidades indígenas e tradicionais são as mais afetadas, sofrendo com a violência, o deslocamento forçado, a contaminação de seus rios por mercúrio e a insegurança alimentar (Amazon Underworld, 2023; Ardenghi, 2020). Paralelamente, a capacidade do Estado de exercer o controle legítimo sobre seu território é minada, à medida que grupos criminosos estabelecem formas de governança híbrida em áreas de baixa presença institucional, desafiando diretamente a autoridade e a integridade territorial dos Estados nacionais (Medeiros Filho, 2023). Diante disso, nota-se um esforço cada vez maior dos países da região em lidar com esse problema, à exemplo da criação do CCPIA, mas será esta uma solução verdadeiramente cooperativa ou apenas uma medida securitizante?

 

O dilema entre a Securitização e a Cooperação Regional

 

A ideia central por trás do conceito de securitização é de que se trata de um processo no qual uma questão é enquadrada como uma ameaça existencial, justificando ações extraordinárias e o uso prioritário de recursos de segurança e defesa (Buzan, 1998). Esse mecanismo implica também em uma construção retórica de insegurança que garanta que as políticas implementadas recebam a anuência da população (Balzacq; Léonard; Ruzicka, 2016). Portanto, esse termo acaba sendo extremamente relevante ao se pensar no seu reflexo na formulação de políticas públicas, podendo gerar mais males que benefícios à população. 

Entre os anos 1980 e 1990, o governo norte-americano tentou alavancar o discurso de “guerra às drogas” tanto no seu território quanto nos países latino-americanos (Carvalho, 2025). De forma geral, essa política se mostrou bastante ineficaz, resultando no aumento da população carcerária formada quase que majoritariamente por pessoas já marginalizadas na sociedade, como jovens e pessoas negras e periféricas (Carvalho, 2025).

No cenário atual, contudo, percebe-se um maior distanciamento dessa percepção de necessidade de “guerra ao crime”, à medida que se enfatiza a cooperação com os países vizinhos e se rechaça qualquer tentativa de intervenção em questões internas por potências estrangeiras. Inclusive, em seu discurso de inauguração do Centro, o presidente Lula destacou que “Não precisamos de intervenções estrangeiras, nem de ameaças à nossa soberania. Somos perfeitamente capazes de ser protagonistas das nossas próprias soluções. As palavras-chave são ação integrada e cooperação.” (Brasil, 2025a). Diante disso, nota-se uma maior predileção por vias cooperativas para se lidar com a expansão do crime organizado na região amazônica.

Apesar do esforço empreendido nessa iniciativa, que busca enfrentar os crimes transnacionais que afetam a Amazônia a partir da articulação conjunta entre forças de segurança pública do Brasil e de países vizinhos (Peduzzi; Verdélio, 2025), ainda se carece de mecanismos que tratem do problema desde uma lente multidimensional. A segurança multidimensional, que nasceu de uma nova concepção de segurança para o Hemisfério, reconhece a necessidade de ampliar a visão tradicional deste conceito para abranger também aspectos políticos, econômicos, sociais, de saúde e ambientais (Declaração..., 2003).

Nesse sentido, o Centro pode ser entendido como um primeiro passo para se resolver em conjunto um problema comum, mas é indispensável que seu esforço seja empreendido com um maior envolvimento de agências de desenvolvimento e políticas sociais mais robustas que atendam as necessidades da população que habita na região. A perspectiva de segurança é uma dimensão importante para se lidar com a situação, mas também é imprescindível tratar as causas estruturais que levam à expansão de organizações criminosas na Amazônia. Portanto, é relevante fomentar a governança local e gerar alternativas econômicas sustentáveis, partindo da compreensão das singularidades da região e adequando as estratégias planejadas à essa realidade (Mello, 2025).

 

Considerações finais

 

Com base no exposto, pode-se inferir que o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia não deve ser considerado apenas um instrumento de securitização com uma roupagem cooperativa, mas ele ainda apresenta um potencial limitado para evoluir e se tornar um fórum de cooperação multidimensional de fato. Para seguir esse caminho, o CCPIA poderia incorporar as contribuições de organizações e representantes da sociedade civil no seu planejamento estratégico, bem como alinhar seu propósito com o de instituições que busquem promover o desenvolvimento socioeconômico da região amazônica.

Além disso, apesar dessa iniciativa representar um avanço significativo na integração em temas de segurança da região, ainda existem obstáculos para que a cooperação no tema seja mais duradoura. Assim, assimetrias e desconfianças históricas entre os países, instabilidade e mudanças de governo, além de recursos financeiros e humanos limitados em alguns Estados se colocam como desafios relevantes com o potencial de impedir a longevidade desse projeto. Logo, é salutar reconhecer o valor dessa iniciativa, porém, seu sucesso não reside apenas em sua mera existência, mas no caminho que ela irá traçar a fim de contribuir para uma cooperação em segurança mais ampla, perene e multidimensional.

 

Referências

 

AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA (ABIN). Desafios de Inteligência: edição 2025. Brasília: ABIN, 2024. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/8216. Acesso em: 13 out. 2025.

 

AMAZON UNDERWORLD. Economias criminosas na maior floresta tropical do mundo. [S. l.], 2023.

 

ARDENGHI, R. Análise do Impacto do Crime Transnacional Organizado sobre as Comunidades Indígenas da América Latina: o Caso do Brasil. El Paccto, 2020.

 

BALZACQ, T.; LÉONARD, S.; RUZICKA, J. ‘Securitization’ revisited: Theory and cases. International Relations, v. 30, n. 4, p. 494-531, 2016.

 

BRASIL. Presidência da República. Discurso do presidente Lula na inauguração do Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia. Presidência da República, 2025a. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2025/09/discurso-do-presidente-lula-na-inauguracao-do-centro-de-cooperacao-policial-internacional-da-amazonia. Acesso em: 13 out. 2025.

 

_______. Em Manaus, Lula inaugura Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia. Brasília: Presidência da República, 2025b. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/09/em-manaus-lula-inaugura-centro-de-cooperacao-policial-internacional-da-amazonia. Acesso em: 14 out. 2025.

 

BUZAN, B. Security: A New Framework for Analysis. Boulder: Lynne Rienner, 1998.

 

CARVALHO, I. A velha e falsa solução da guerra às drogas. Terras Indígenas no Brasil, 13 abr. 2025. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/229580. Acesso em: 14 out. 2025.

 

COUTO, A. Geografia do narcotráfico e facções do crime organizado na Amazônia. Revista GeoAmazônia, Belém, v. 11, n. 22, p. 46-67, 2023.

 

DECLARAÇÃO SOBRE SEGURANÇA NAS AMÉRICAS. 2003. NEPP-DH, [s. d.]. Disponível em: http://crmm.nepp-dh.ufrj.br/oea1.html. Acesso em: 14 out. 2025.

 

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2025. Disponível em: https://publicacoes.forumseguranca.org.br/handle/123456789/279. Acesso em: 13 out. 2025.

 

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). Cartografias da Violência na Amazônia. São Paulo: FBSP, 2023.

 

FRANCHI, T. Soberania e crimes ambientais na Amazônia: uma oportunidade para o Brasil atuar como líder regional? Diálogos Soberania e Clima, v. 2, n. 8, 2023.

 

INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Um problema de três fronteiras: restringindo as fronteiras criminosas da Amazônia. Briefing n. 51, 2024.

 

MEDEIROS FILHO, O. A natureza das ameaças na Pan-amazônia. Centro de Estudios Estratégicos del Ejército del Perú, 2023.

 

PEDUZZI, P.; VERDÉLIO, A. Países amazônicos não precisam de intervenções estrangeiras, diz Lula. Agência Brasil, 9 set. 2025. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-09/paises-amazonicos-nao-precisam-de-intervencoes-estrangeiras-diz-lula. Acesso em: 13 out. 2025.

 

UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME (UNODC). World Drug Report 2023: the nexus between drugs and crimes that affect the environment and convergent crime in the Amazon Basin. Viena: UNODC, 2023.