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RD Congo e coltan: uma crise por recursos?

 

Por Marina Morena Caires

 

 

A República Democrática do Congo (RDC) é um país localizado na África Central que detém a quarta maior população do continente africano, com 102 milhões de habitantes. Desde sua independência da Bélgica em 1960, a nação, anteriormente chamada de Zaire, passa por enorme instabilidade política, guerras e conflitos armados entre seus diversos grupos étnicos nacionais e de nações vizinhas. O país vive há décadas a maior crise humanitária do mundo, que afeta, atualmente, mais de 26 milhões de pessoas (UNICEF, 2023). Os números de pessoas em situações deploráveis continuem a crescer, como as 1.44 milhões de pessoas deslocadas desde janeiro de 2023 (UNICEF, 2023). 

No centro da instabilidade, surge a discussão sobre a extração de coltan, uma mistura dos metais columbita e tantalita, cuja tantalita tem propriedades úteis em diversas indústrias, como a automobilística e a telefônica. O leste da RDC é rico nesse metal que alimenta conflitos na região. Sua exploração é um epicentro de violações contra os direitos humanos, colocando até crianças em situações deploráveis para sua comercialização. A presente análise tem como intuito evidenciar o papel do coltan nos conflitos na região leste do país e discutir seu lugar como causa primária ou como financiador deles. 

 

O coltan: produção e exportação

A tantalita é um metal com capacidade de resistência a altas temperaturas e a corrosão, grande força, ductilidade, entre outras, que levam ele a ser extremamente útil em indústrias eletrônicas, medicinal, militar, automobilística e química, entre outras (Auping et al., 2013). 

O coltan é um dos muitos metais valiosos que existem e são explorados no país. A RD Congo, é o maior exportador mundial do metal, mantendo a liderança disparada em comparação a outros produtores. Em 2022, as minas do país produziram mais de 2 vezes a quantidade de coltan que o segundo maior produtor mundial, o Brasil, e o terceiro, a Ruanda (Pistilli, 2023). O último país é um dos que está ativamente ligado ao conflito na RDC, espacialmente no leste do território, onde há inúmeras reservas, e que se beneficia do metal congolês para alimentar a exportação ruandesa. 

A extração do coltan é feita não só por grandes mineradoras, mas também por mineração artesanal e de pequena escala, realizada por indivíduos, famílias, trabalhadores e pequenas empresas (Auping et al., 2013). Essa atividade, na maioria, é irregular ou ilegal e acontece quando as pessoas não têm outra forma de renda, assim, fazendo até crianças e mulheres se colocarem em condições perigosas para a saúde (Materials World, 2005). Na República Democrática do Congo, esse fenômeno é prevalente e perpetua situações subumanas, além de contribuir para a competitividade do material, devido a sua exploração barata. O boom dos preços do metal nos anos 2000 gerou uma “febre do coltan” que fez com que diversas pessoas largassem tudo para tentar fazer dinheiro nesse mercado (ibid). 

 

Os conflitos no Congo 

    

    A RDC é um país extremamente diverso, com mais de 200 etnias e diversas línguas oficiais, além dos dialetos locais, e a rivalidade entre esses grupos está na origem de diversas rebeliões que ocorrem desde a independência do país (ibid). Durante toda sua história, houve diversos conflitos por poder e controle do Estado, que sempre foi instável e falho. Cinco anos após a independência, no qual ocorreram diversos conflitos, o poder do país é assumido pelo ditador Joseph Mobutu, que liderou o país por 32 anos.

Antes da queda de Mobutu, a Primeira Guerra do Congo (1996-1997) aconteceu. O genocídio em Ruanda, país vizinho, levou Tutsis e Hutus do país ao território congolês. Essa migração levou políticos na província de Kivu, no leste do Congo, a querer expulsar o grupo Tutsi que se estabeleceu no país, conhecidos como Banyamulenge, do território.  A existência de grupos armados formados de antigos apoiadores dos genocidas de Ruanda que não foram desarmados também era de preocupação para o governo do país vizinho. Assim, essas duas questões levaram Ruanda a invadir o Congo, apoiada por diversos outros governos africanos, iniciando a guerra e depondo Mobutu (ibid).

Em seu lugar, Laurent Kabila assumiu o poder e, entre 1998 e 2003, presenciou a Segunda Guerra do Congo. O então presidente pediu a retirada de tropas ruandesas, ferindo a relação diplomática dos países e gerando protestos de congoleses Tutsis que levaram à invasão das tropas novamente. Em nome de um novo grupo, o Rassemblement Congolais pour la Démocratie (RCD), a Ruanda e a Uganda, depois Burundi, buscaram derrubar Kabila e assegurar suas fronteiras, afirmando que o Congo tinha grupos armados que ameaçavam seus territórios (Auping et al., 2013). O novo grupo Rassemblement Congolais pour la Démocratie (RDC) chegou a controlar o leste do país até seu desmembramento. O conflito só acaba com a morte de Kabila e a ascensão de seu filho à presidência, que assinou tratados de paz com Rwanda e Uganda. 

 O último conflito, que perdura até o presente, é o Conflito Kivu no Leste do Congo, nas províncias de Kivu do Norte e do Sul, onde há grandes conflitos étnicos, grupos armados e falta de serviços básicos, como saúde e educação, do Estado (Auping et al., 2013). Algumas dessas milícias são financiadas continuamente por Ruanda e Uganda, como o March 23 Movement (M23), que domina várias partes da região, que traficam minerais para esses países e se financiam com essa exploração (Auping et al., 2013). 

 

O papel do Coltan

 

    Em 2000, o Conselho de Segurança do ONU solicitou um relatório para que pudessem deliberar sobre a exploração ilegal de recursos naturais no RDC que criou O Painel de peritos sobre a exploração ilegal dos recursos naturais e outras formas de riqueza da República Democrática do Congo. Esse relatório indicou que, além de causar danos sociais, econômicos e ambientais na região, a exploração desses recursos naturais estava gradualmente se tornando o “motivo primário” para Rwanda e Uganda, mesmo que tenham invadido a RDC, a princípio, por motivos de segurança (Taka, 2017).

 

According to the report, illegal exploitation of resources by Burundi, Rwanda and Uganda took different forms, including confiscation, extraction, forced monopoly and price-fixing.  The first two forms reached proportions that made the war in the DRC a very lucrative business.  There are strong indications that, even if security and political reasons were the professed motivation to move into the eastern DRC, some top army officials clearly had economic and financial objectives. (ONU, 2001)

 

    É inegável que a parceria entre companhias privadas e militares sustentam e financiam o ciclo de violência. No entanto, é importante entender se essa exploração ilegal realmente se tornou a causa primária a ser combatida. Campanhas internacionais apoiadas por ONGs e pela própria ONU que buscam, desde o início do conflito, focar no fim do “blood coltan” (coltan de sangue), buscaram unir apoio para parar o comércio do metal vindo dessas regiões exploradas por milícias. 

Independente dessas inúmeras tentativas, a situação se mantém fundamentalmente inalterada, mesmo que o coltan nunca tenha recuperado as proporções que atingiu no seu boom de 2000 (Taka, 2017). 

 

Coltan: causa primária ou perpetuante do conflito

Existem várias abordagens distintas para compreender esse conflito, desde a análise das questões sociais, históricas e do Estado falho da RDC, até as econômicas. O debate entre greed vs grievance (ganância vs queixas), na qual as causas de ganância criam conflitos por questões econômicas e as de queixas por questões sociais, conduziu a visão internacional a crer na questão da ganância (Auping et al., 2013). 

Isso acontece independentemente de estudos de 2008 que afirmam que somente 6% dos ganhos de grupos armados no conflito congolês vinham do coltan, sendo 62% da cassiterita e 28% do ouro (Auping et al., 2013). Outras nuances como os conflitos étnicos e religiosos, com milícias islâmicas também tentando invadir o país, foram pouco trabalhados no cenário internacional. 

 

Conclusão

    

    Se torna nítido que o conflito na República Democrática do Congo tem diversas camadas que tornam extremamente difícil apontar somente uma causa como primária ou primordial para ser resolvida pela comunidade internacional. 

    Em 2008, a ONU publicou outro relatório que comprovou que mesmo com suas campanhas, que buscam fazer empresas como a Nokia, Samsung e Motorola pararem de comprar coltan da região, o minério ainda era vendido em grandes quantidades na Europa e a Ruanda continuava contrabandeando ele para venda (Totolo, 2009). 

    Além disso, a ajuda humanitária para o conflito continua subfinanciada, sendo 80% dela de somente cinco doadores e recebendo menos de 74% das doações da Ucrânia em 2022, apesar de ter um número consideravelmente maior de pessoas necessitadas (NRC, 2023). Isso se dá por diversos fatores, desde o descaso internacional com conflitos africanos devido a questões sociais e econômicas, até a forma equivocada de tratar o conflito como um problema do coltan. 

    Como afirmou o World Bank após a Segunda Guerra do Congo, a mineração é vital para a recuperação econômica do país e o setor privado vai ser ator-chave nessa mudança (Bergh, 2021). Contudo, nesse momento de complexas teias de razões para o contínuo conflito, a comunidade internacional precisa deixar de tratar o coltan como uma das causas primárias do conflito e evidenciar o coltan como somente uma dos diversos fatores infortúnios, voltando seus esforços ao angariamento de fundos para ajuda humanitária.     

 

Referências

 

AUPING, Willem et al. Coltan, Congo & Conflict. The Hague Centre for Strategic Studies (HCSS), 2023. Disponível em: https://hcss.nl/wp-content/uploads/2013/06/HCSS_21_05_13_Coltan_Congo_Conflict_web.pdf . Acesso em: 4 nov. 2023  

 

BERGH, Sylvia et al. From ‘conflict minerals’ to peace? Reviewing mining reforms, gender, and state performance in eastern Democratic Republic of Congo. The Extractive Industries and Society, v. 8, n. 2, 2021. Disponível em: From ‘conflict minerals’ to peace? Reviewing mining reforms, gender, and state performance in eastern Democratic Republic of Congo - ScienceDirect. Acesso em: 4 nov. 2023  

 

DR Congo: An unprecedented crisis goes ignored. Norwegian Refugee Council. 23 ago. 2023. Disponível em: DR Congo: An unprecedented crisis goes ignored | NRC. Acesso em: 4 nov. 2023  

 

Nações Unidas. SECURITY COUNCIL CONDEMNS ILLEGAL EXPLOITATION OF DEMOCRATIC REPUBLIC OF CONGO’S NATURAL RESOURCES. 3 maio 2001. Disponível em: SECURITY COUNCIL CONDEMNS ILLEGAL EXPLOITATION OF DEMOCRATIC REPUBLIC OF CONGO’S NATURAL RESOURCES | UN Press . Acesso em: 4 nov. 2023  

 

PISTILLI, Melissa. Top 5 Tantalum-mining Countries (Updated 2023). Investing News Network, 8 maio 2023. Tantalum-mining. Disponível em: Top 5 Tantalum-mining Countries (Updated 2023) (investingnews.com). Acesso em: 6 nov. 2023  

 

TAKA, Miho. Colton Mining and Conflict in the eastern Democratic Republic of Cong. In: MCINTOSH, Malcolm; HUNTER, Alan. New Perspectives on Human Security. 2. ed. Nova York: Routledge, 2017, p 159-174. Disponível em: New Perspectives on Human Security - 1st Edition - Malcolm McIntosh - (routledge.com). Acesso em: 4 nov. 2023  

 

TOTOLO, Edoardo. Coltan and conflict in the DRC. ISN Security Watch, 11 fev. 2009. Disponível em: Coltan and conflict in the DRC - Democratic Republic of the Congo | ReliefWeb. Acesso em: 4 nov. 2023  

 

UNICEF. Humanitarian Situation Report No. 1. 13 set. 2023. Disponível em:UNICEF Democratic Republic of the Congo Humanitarian Situation Report No.1 (1 - 30 June 2023) - Democratic Republic of the Congo | ReliefWeb. Acesso em: 4 nov. 2023  

 

 

 

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