Lenira Oliveira e Natália Grass
No dia 8 de outubro de 2023, Israel declarou formalmente guerra ao Hamas – um grupo militar islâmico –, mobilizando uma grande ofensiva militar sobre o território habitado por palestinos na Faixa de Gaza (Gold et al., 2023). A ação do país ocorreu após ataque promovido pelo Hamas ao território israelense no dia 7 de outubro, que matou centenas de pessoas, enquanto outras foram mantidas como reféns. Com isso, observou-se uma mobilização internacional de lideranças de diversos países demonstrando apoio a Israel e condenando os ataques, ao passo que outras tiveram discursos mais moderados, principalmente após ofensiva israelense sobre Gaza, que contou com uma série de ações que não levam em consideração o bem-estar da população civil que vive na região.
Nesse cenário, o Brasil, por meio de suas lideranças, busca apresentar um plano de resolução do conflito, principalmente no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), o qual o Brasil presidiu no mês de outubro de 2023. No entanto, apesar do país apresentar historicamente características, como o pacifismo e o multilateralismo normativo (Cervo, 2008) – que contribuem para um papel mais ativo do País nesta mediação –, há uma série de fatores que não corroboram neste sentido, como o veto dos Estados Unidos a proposta de resolução do Brasil no CSNU. Desse modo, resta o questionamento sobre qual é o papel do Brasil nas negociações relacionadas ao conflito entre Israel e o Hamas.
A Política Exterior do Brasil com relação ao conflito entre Israel e Palestina
O posicionamento da Política Exterior do Brasil (PEB) em relação ao conflito entre Israel e Palestina, desde 1947, foi o de reconhecimento dos dois Estados e de apoio ao cumprimento das resoluções das Nações Unidas (Casarões; Vigevani, 2014, p. 152). Já durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), fortaleceu-se a visão de que era necessário defender o lado mais fraco, percebido como sendo o palestino, neste caso.
Desde a criação da ONU, o Brasil busca contribuir com a construção do consenso multilateral, seja na Assembleia Geral, seja no Conselho de Segurança. O discurso e atuação diplomática brasileira, desde a Guerra dos Seis Dias (1967), apresenta uma importante continuidade narrativa que é a de reiterar o direito de Israel de possuir fronteiras seguras e estáveis, enquanto apoiava também as demandas palestinas por um Estado soberano (ibid., 2014, p. 152-153).
Destarte, nota-se que o posicionamento brasileiro em relação à questão esteve permeado por alguns dos princípios e valores da diplomacia do País apontados por Cervo (2008) como sendo inerentes à sua conduta em Política Externa (Cervo, 2008, p. 26). Dentre eles, destacam-se a sua tendência a solução pacífica de controvérsias – que faz com que o País seja reconhecido por seu pacifismo em Política Externa –, e o multilateralismo normativo ao demonstrar uma preleção por uma ação conjunta no âmbito internacional.
A Política Externa dos governos Lula (2003-2010) com relação ao conflito
Um acontecimento marcante e que remete a situação do atual conflito, foi quando ocorreu uma ação das forças armadas de Israel contra Gaza, entre 2008 e 2009, que causou a perda de milhares de vidas. Nesta ocasião, o Brasil condenou a ação promovida pelo governo de Israel, causando uma reação desfavorável dos representantes israelenses e estadunidenses (Casarões; Vigevani, 2014, p. 173). Destacou-se, nesta ocasião, que o Brasil não levou em consideração os interesses de segurança de Israel, ou não os considerou mais importantes do que a vida dos civis palestinos que viviam na região.
De acordo com Breda dos Santos (2014), o envolvimento brasileiro no processo de paz entre Israel e a Palestina nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva foi uma iniciativa inédita da diplomacia brasileira, que buscou se envolver em uma mediação desenvolvida fora do âmbito da ONU. Todavia, o Brasil continuou expressando seu apoio à causa palestina nesta organização, ao mesmo tempo que não deixava de reconhecer as preocupações de Israel com a segurança de seu território (Santos, 2014, p. 189-190).
Uma das formas de se compreender esses esforços empreendidos pela política externa dos primeiros dois mandatos do governo Lula (2003-2006, 2007-2010) em fazer avançar o processo de paz entre Israel e Palestina, é de que se buscava afirmar um maior protagonismo do País na arena internacional (ibid., 2014, p. 190). Resta o questionamento de se esse comportamento do Brasil está sendo de alguma forma refletido na atuação e no posicionamento do País com relação ao atual conflito.
Como está sendo a atuação do País no atual conflito?
O mundo tem assistido aos acontecimentos que irromperam na Faixa de Gaza desde o dia 7 de outubro de 2023. Por isso, faz-se necessário observar que muitos países, como Estados Unidos, já escolheram um lado para apoiar – o israelense –, mas será que o Brasil deve fazer o mesmo ou deve manter uma postura que o torne aliado de ambas as partes? Embora restem inúmeras questões sobre o alinhamento político entre o Brasil e seus pares após a mudança de governo do País no início de 2023, bem como da atuação de cada Estado, gerada pela rotatividade da presidência no Conselho de Segurança da ONU.
Ao passo que as negociações se iniciavam no âmbito do Conselho de Segurança e repercutiam internacionalmente, o Brasil se destacou pelo excelente trabalho de repatriação de brasileiros que estavam na região. No dia 10 de outubro decolou o primeiro voo de Tel Aviv, com 211 passageiros. A Operação está sendo liderada pelo Ministério das Relações Exteriores e conta com o apoio da Força Aérea Brasileira (FAB) e da Embaixada do Brasil em Tel Aviv, Cairo e o Escritório de Representação em Ramalá, Palestina.
Até o momento já foram repatriados 1.201 brasileiros e 44 animais domésticos, além de 3 bolivarianas. O ministro Mauro Vieira declarou durante uma coletiva de imprensa que essa é a maior operação de retirada de brasileiros de uma zona de conflito (MRE, 2023). O Brasil também tem recebido pedidos de Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia, mas ressaltou que a prioridade serão os brasileiros e caso seja possível os voos poderão trazer estrangeiros (NOVO..., 2023). Não obstante, o Brasil contribuiu com o envio de ajuda humanitária para a região, enviando por exemplo purificadores de água e kits de saúde.
Assim que anunciado o ataque do Hamas, o governo brasileiro publicou uma nota oficial condenando os ataques contra civis e afirmando que convocaria uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que preside no momento (MRE, 2023). Na oportunidade, o Governo brasileiro prestou condolências aos familiares dos mortos no ataque e assegurou o seu compromisso na solução da questão entre os dois Estados, afirmando a urgência do retorno de negociações de paz entre Israel e a Palestina.
O Brasil assumiu a presidência do Conselho de Segurança da ONU em 1° de outubro e permanecerá na posição até o fim do mesmo mês, enquanto continuará ocupando a vaga de membro não-permanente até dezembro de 2023. Dado o papel de liderança ocupado pelo país no momento em que o conflito se iniciou, o Brasil, por meio do presidente Lula, publicou uma carta no dia 11 de outubro, endereçada ao Secretário-Geral da ONU, António Guterres, e à comunidade internacional (Apesar..., 2023). A carta pedia a união da comunidade internacional e urgência na atuação de todos para acabar com a grave violação de direitos humanos na guerra entre Israel e Palestina.
O presidente Lula afirmou ainda que se faz urgente uma intervenção humanitária internacional, além de um cessar-fogo (Dunder, 2023). O presidente afirmou ainda que o Brasil, ocupando a presidência provisória do CSNU, uniria esforços para cessar imediato e definitivo o conflito, trabalhando para promover a paz em defesa dos direitos humanos no mundo.
Nesse sentido, o Brasil propôs a resolução S/2023/773 no CSNU, em que se condenava todas as formas de violência contra civis, bem como os atos terroristas praticados pelo Hamas, além de reforçar também a urgência do acesso humanitário aos civis. O projeto, apesar de ser aprovado por 12 dos 15 membros do CSNU (MRE, 2023) – sendo possível perceber a preocupação da comunidade internacional acerca do conflito –, foi vetado pelos Estados Unidos.
É perceptível, então, a preocupação e ações do governo brasileiro com os seus nacionais que estão na região em conflito, bem como sua intenção em ser um ator ativo nas negociações de ajuda humanitária para a população civil que sofre com as consequências da guerra. A partir da atuação do país em períodos anteriores, é possível conjecturar que sua ação em resposta ao recente conflito não será muito diferente. Não obstante, diferentemente de países como os EUA, o Brasil ainda mantém laços diplomáticos com ambos os Estados – isto é, Israel e Palestina –, o que impossibilita ou ao menos reduz as tendências de um alinhamento completo com uma das partes.
Fato é que, mesmo após as tentativas de resolução do conflito realizadas pelo Brasil, há pouco que possa ser feito. Ainda que a diplomacia brasileira debruce seus esforços para conter as represálias violentas de ambos os lados, há pouco espaço para diálogo e coesão nas votações do Conselho de Segurança da ONU. A partir disso é possível concluir que o país possui uma ação limitada no que tange a pacificação de Gaza.
O Brasil pode ter um papel de relevância nas negociações relacionadas à guerra entre Israel e o Hamas?
O fato de o Brasil ocupar a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), durante o início do atual conflito, pode ter feito com que o País fosse instado a ter uma atuação ainda mais ativa na busca por uma solução pacífica para a guerra. Conforme evidenciou o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, em entrevista ao programa A Voz do Brasil:
"A posição do Brasil é que os atos violentos devem ser interrompidos porque nós condenamos o derramamento de sangue. Temos que trabalhar para que haja entendimento e cessação das hostilidades para um processo de negociação de paz. Queremos empenhar todos os esforços para que se possa chegar a um entendimento. O Brasil quer usar o Conselho de Segurança da ONU para discutir a paz" (Truffi, 2023).
No entanto, apesar do País está buscando ter esse papel de protagonismo nas negociações, principalmente no CSNU, nota-se que essas tentativas não têm sido tão eficazes, como exemplifica o caso do veto à resolução escrita pelo Brasil pelos Estados Unidos. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) afirmou que:
“O governo brasileiro lamenta que, mais uma vez, o uso do veto tenha impedido o principal órgão para a manutenção da paz e da segurança internacional de agir diante da catastrófica crise humanitária provocada pela mais recente escalada de violência em Israel e em Gaza. O Brasil considera urgente que a comunidade internacional estabeleça um cessar-fogo e retome o processo de paz” (Votação do projeto..., 2023).
Desse modo, faz-se possível perceber um esforço por parte da diplomacia brasileira em encontrar por meio de organismos multilaterais uma solução pacífica para o conflito, mas que tem sido dificultado por uma potência que possui poder de veto no CSNU. Na Declaração do Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, o Embaixador Sérgio França Danese diz que: “Infelizmente, muito infelizmente, o Conselho foi mais uma vez incapaz de adotar uma resolução sobre o conflito israelo-palestino. Mais uma vez, o silêncio e a inação prevaleceram” (Declaração do Representante..., 2023).
Nota-se um forte engajamento do governo brasileiro, por meio tanto do seu corpo diplomático como do Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que desde o início do atual conflito procurou articular uma resposta da comunidade internacional que prezasse pela solução negociada. Contudo, a estratégia brasileira de utilizar meios como o CSNU para tal fim, não foram tão eficazes, muito por conta da estrutura do próprio Conselho em que existe o poder de veto do P5 (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido).
Nesse sentido, o Brasil ao final de sua presidência rotativa do CSNU, não logrou aprovar uma resolução sobre Israel-Gaza, por conta do veto dos Estados, mas acabou reforçando a retórica brasileira de necessidade de reforma do órgão e do poder de veto dos membros permanentes. Isso pode ser considerado, de certa forma, como uma vitória para o Brasil que historicamente almeja um assento como membro permanente do Conselho, e que ao articular uma proposta equilibrada com os interesses dos demais membros, acaba demonstrando sua capacidade de mediação em conflitos por meio de sua tendência histórica ao pacifismo e ao multilateralismo normativo (Cervo, 2008).
Não obstante, caso o Brasil deseje de fato ter relevância na resolução da guerra entre Israel e o Hamas, será necessário que o País participe de outros fóruns multilaterais que tenham essa finalidade. Nessa perspectiva, destaca-se a Conferência de Paz convocada pelo Egito para discutir a guerra, em que o Brasil foi representado pelo Ministro de Estado Mauro Vieira (Líderes internacionais…, 2023).
Considerações finais
As lideranças diplomáticas do País buscaram coordenar uma resposta da comunidade internacional ao conflito entre Israel e o Hamas, de forma com que a paz fosse restabelecida. Além de um protagonismo do corpo diplomático brasileiro, houve um papel bastante ativo do Presidente da República que buscou manter contatos com as lideranças de Israel e da Palestina, e assumir uma postura mediadora que, por um lado, condenava os ataques feitos pelo Hamas a Israel, ao mesmo tempo que salientava a necessidade da proteção dos civis e a criação de um corredor humanitário, por outro (Kruchin, 2023).
Tendo em vista os desenvolvimentos recentes do conflito e a resposta do Brasil à questão, pode-se inferir que o País procura desempenhar claramente um papel ativo nas discussões sobre uma resolução pacífica do conflito, sobretudo, por meio do CSNU. Contudo, nota-se que este órgão se encontra, neste momento, paralisado por conta do veto dos Estados Unidos a qualquer proposta de resolução ao conflito, devido ao fato de não ser do interesse de Israel – um importante aliado dos EUA no Oriente Médio – pôr fim a esta guerra no curto prazo. Portanto, caso o Brasil queira de fato exercer influência nas negociações sobre uma resolução que dê fim a este conflito, será necessário priorizar a discussão desta questão em outros fóruns multilaterais, não focando somente no CSNU.
Referências
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