Eleições Equatorianas: Balanços e Perspectivas

Isis Aquino

Em maio de 2023, a dissolução da Assembléia Nacional Equatoriana pelo Presidente em exercício, Guillermo Lasso, e a convocação de novas eleições chamou atenção da comunidade internacional para os processos políticos da nação sul americana. Essa conjuntura é resultado de um longo processo de fragmentação interna do país, que dialoga com as dinâmicas de poder internacionais e as estruturas internas do país (EXAME, 2023).

A presente análise tem por objetivo lançar um olhar crítico sobre os eixos centrais que culminam na disputa atual, paralela a uma análise das estruturas de dominação que atravessam a polarização interna e busca pensar alternativas aos projetos de desenvolvimento em disputa.

 

Contextualização

    O Equador está atravessando uma crise nas suas instituições políticas, econômicas e sociais. As disputas internas são atravessadas pelos processos históricos de dominação e pela busca do desenvolvimento, que culmina num país fraturado e que dispõe de ferramentas limitadas para responder às suas próprias contradições (CARMO, 2022).

Países latino-americanos são perpassados pela desestruturação interna, resultado direto dos processos de colonização e das estruturas historicamente escravocratas, patriarcais e periféricas (MACHADO, 2022). No caso equatoriano, a semelhança de tantos outros vizinhos, tal conjuntura se traduz numa democracia aparelhada por elites históricas, que é incapaz de representar as necessidades da sociedade e que se condiciona a partir de dinâmicas internacionais imperialistas (ibid.).

    Nos anos 2000, essa dominação se traduz através da onda de reformas neoliberais que atravessaram o Sul Global e a América do Sul. O Equador, buscando mitigar a dívida externa, juros e inflação, adotou o dólar americano como sua moeda oficial e aboliu sua moeda nacional. A medida foi uma estratégia para garantir estabilidade interna a partir da credibilidade externa, mas que mitiga as possibilidades de resposta do governo a flutuações domésticas, deixando-o exposto aos fenômenos cambiais internacionais (RESENDE,2022). 

A partir de 2015, quando o mercado internacional de commodities estagna e começa um processo de retração, a economia equatoriana se vê prejudicada. Por ter uma matriz econômica fortemente voltada ao extrativismo e exportação de matérias primas, a oscilação de demanda prejudica a captação do país. Tal oscilação expõe uma a fragilidade da economia local, altamente dependente de compradores internacionais e que possui pouco espaço para manobras de resposta (MACHADO, 2022).. 

Diante crise econômica que emerge, o Equador se vê impelido a buscar respostas e,  desse contexto, inicia-se um período de grandes mudanças institucionais. Os governos que emergem propõem, sucessivamente, reformas econômicas e tributárias, bem como reforçam suas articulações externas em busca de financiamentos e vantagens comerciais (MACHADO, 2022).

A partir desse contexto, até 2023 se consolidam no país duas opções centrais de gestão: de centro-esquerda e posteriormente de centro-direita. As eleições nacionais respondem a uma tendência global de polarização e personalização da política, trazendo em dois principais oponentes, Correa e Lasso, a mobilização das respostas políticas (ROMERO, 2023). 

A gestão Correísta, que esteve no comando do país até 2017 e pauta sua resposta às crises nacionais pelo incentivo ao aumento da produtividade interna, extrativismo e políticas de assistência social, se contrapõe ao advento de Guillermo Lasso, empresário que promete responder ao desemprego e endividamento populares por meio de reformas neoliberais, com investimentos estrangeiros e incentivos a setores estratégicos, como o agrícola (POLITIKA, 2023).

A saída de Rafael Correa do poder foi marcada pelas revoltas cidadãs de 2016, que questionam as políticas reformistas empregadas. Apesar de propostas de espectro político oposto, grande parte da fragilização da margem de manobra de Guillermo Lasso parte do mesmo pressuposto: no período eleitoral, a consulta pública de suas reformas neoliberais foi rechaçada pelo voto popular. Concomitantemente, a eleição de uma Assembleia Nacional de frentes majoritariamente opostas às do presidente também inviabilizam uma hegemonia presidencial (ROMERO, 2023). Tal conjuntura culmina  na instauração de 2 processos de impeachment contra o representante do executivo (CNN, 2023).

Em maio, após a instauração do segundo processo de impeachment, em que Lasso é acusado de corrupção, o presidente decreta a Morte Cruzada, mecanismo constitucional que prevê a dissolução do parlamento e a convocação de novas eleições presidenciais e legislativas dentro de 6 meses. Nesse período, é previsto que o Presidente siga governando através de decretos lei (CNN, 2023). Nas palavras de Lasso: “Prefiro governar 6 meses no purgatório que 1 ano no inferno” (COLUMNA.., 2023). 

Fraturas 

    As reviravoltas políticas vêm em um momento sensível para a população, que vem passando por dificuldades para se recuperar do endividamento, desemprego e insegurança, frutos da pandemia de 2020, bem como da crise econômica de longo prazo (MACHADO, 2022). Ainda assim, a dissolução da Assembleia Nacional conta com aprovação de mais de 70% da população (EL PAÍS, 2023). Desde o início do século XXI, a maioria dos presidentes que assumiram o Equador tiveram seus mandatos dissolvidos antes da periodicidade prevista na constituição.

    As disputas políticas e reformas fracassadas criam um cenário de desilusão política, na nação plurinacional, que em 2008 se mobilizou em torno de uma constituição que garantisse segurança jurídica, representatividade e pluralidade (MALDONADO, 2019). Ao mesmo tempo, os balanços eleitorais apontam para a preponderância da esquerda correísta no voto popular e a conquista de espaço de correntes de esquerda ecologista e indigenista (ROMERO, 2023). 

    Entretanto, pragmaticamente, as condições de vida dos cidadão equatorianos - atravessados pela crise econômica, desemprego e problemas na segurança pública em razão do crime organizado - são afetadas pelo sucateamento da administração pública e pela instabilidade governamental. Hospitais, transporte, segurança e educação encontram-se deteriorados pela má administração pública, fruto das dificuldades na consolidação de estratégias políticas (MACHADO, 2022).

    Os trabalhadores de setores menos abastados e sucateados, dentre os quais destacam-se minorias sociais, sustentam o funcionamento do país diante de tantas oscilações. É notório que as estruturas institucionais existentes não estão sendo capazes de promover as garantias necessárias aos cidadãos,e ainda mais alarmante que sociedade e política estejam dissociadas. Equatorianos urgem por representantes que se apeguem às suas demandas materiais com legitimidade, sem usá-las como massa de apoio eleitoral (CARMO, 2022).

Reverberações Eleitorais

    As intenções de voto podem ser entendidas e lidas a partir da conjuntura de descrédito popular nas instituições. Os eleitores se identificam em 3 grandes candidatos: Luisa González, Yaku Pérez e Jan Topic, que concentram os maiores percentuais de aprovação. Ao todo, há outros 7 candidatos no páreo (EL SALTO, 2023), mas é possível observar nesses focos principais as frentes de reação equatoriana a instabilidade doméstica.

    Luisa Gozaléz é a candidata da frente correísta e angaria, no momento, o apoio de cerca de 32,3% dos eleitores. A representante do partido Revolución Ciudadana (RC) lidera o pleito até o momento, e é a favorita. Representante dos ideais de um momento glorioso da história recente do Equador (ibid.) - as organizações populares que culminam na Assembleia Constituinte - simbolicamente, sua campanha remete aos sonhos de autonomia, prosperidade e independência representados pelos anos de avanços históricos do período correísta. Mas muito além disso, eleitores alinhados a RC buscam estabilidade e segurança, canalizam na urgência de suas inseguranças materiais uma busca por caminhos conhecidos, e até mesmo fragilidades conhecidas (EL PAÍS, 2023; ROMERO, 2022).

    O apoio aos outros 2 candidatos representa, de maneira geral, a busca de alternativas ao modelo reformista vigente. Esses eleitores enxergam nas estratégias apresentadas até então, uma redundância em opções do modelo de desenvolvimentismo (SALTOS, 2023). 

    Nesse sentido, Yaku Pérez, candidato indigenista da frente Pachakutik, recupera os elementos de Bem-Viver da Assembleia Constituinte de 2007. O ambientalista traz ao centro a determinação jurisdicional local da Natureza como sujeito de direitos. Trata-se de uma candidatura que desafia os ideais de desenvolvimento neoliberais que moveram as últimas gestões, apresentando a oportunidade da construção de alternativas decoloniais para a institucionalidade do país (EL SALTO, 2023).

    De forma surpreendente, a direita enfraquecida pela corrosão do programa de Lasso constituiu numa figura inédita, Jan Topic, um representante para as eleições. O jovem se apresenta como um ‘’outsider’’, alcunha dada a personagens políticos que se propõem a serem distantes da burocracia partidária e de estereótipos da política tradicional. O mesmo traz a tona, em sua proposta, uma perspectiva rígida e tradicionalista, que exalta governos de Direita locais, como o de Berkel em El Salvador. Jan Topic, com seu discurso armamentista e que remonta a banalidade do mal, expõe uma das facetas de risco das consecutivas crises institucionais: o risco de, diante da instabilidade e da polarização local, emergirem tendências e governos autoritários (SALTOS, 2023; EL PAÍS, 2023).

    Cabe destacar a centralidade dessas mesmas tendências nas votações para compor os blocos da Assembléia Geral. Conforme é possível observar pela própria experiência de Lasso, o parlamento possui efeito determinante na governabilidade do representante eleito e no rumo das políticas públicas nacionais (SALTOS, 2023). 

Conclusão

    De maneira geral, se tratam de eleições históricas,  não só pelo seu caráter de excepcionalidade mas também por seu tom de urgência. Diante de repetidas rupturas internas, a população e os serviços públicos urgem por uma estruturação e flertam com a completa desarticulação.

    Entretanto, tendo em vista o caráter prolongado e cíclico dos problemas institucionais, cabe questionar se os espaços de deliberação são constituídos realmente de forma a representar os equatorianos e suas necessidades. Quando aprovam sua constituição em 2008, a nação reafirma a centralidade da participação popular e crĩtica na constituição do sistema de governo, mas o reflexo dos estamentos sociais do país ainda reverberam no aparelhamento dos espaços de decisão e na articulação internacional do país. 

É possível administrar a crise nacional a partir de uma perspectiva de operacionalização das estruturas existentes, entretanto é fulcral entender até que ponto o problema reside na própria constituição do aparato burocrático, uma vez que o mesmo dialoga com raízes da opressão colonial como a desigualdade, fome, participação popular, racismo e as próprias relações de capital existentes. 

Ao mesmo tempo em que é essencial reconhecer que os resultados desse pleito são centrais para a garantia da segurança material dos equatorianos, é essencial que o mesmo não deixe de ser visto como um momento de levantar questionamentos acerca das respostas históricas que são igualmente essenciais para a reconstrução nacional. Não se trata somente de um momento de reestruturação institucional, mas sim de um movimento de busca de alternativas, como foi feito na construção da Constituinte de 2008 e nas Revoluções Cidadãs de 2016. 

Para tanto, é necessário encarar o desafio da falta de crédito que cidadãos frustrados possuem nas suas instituições, e consequentemente nas eleições, candidatos e propostas governamentais. Ainda, a polarização dos posicionamentos dificulta o diálogo com a população. Nas palavras de Napoleón Saltos: “O sistema algorítmico, fundado na linguagem binária positivo-negativa, 0-1, acaba por absolutizar essa rota, eliminando qualquer forma diferente ou alternativa.” (2023) Acolher as dores dos equatorianos e reconhecer as fraturas que atravessam o país são fatores que precisam perpassar o processo de construção de qualquer Presidente e Assembleia que venham a ser eleitos.

 

Referências

CARMO, C. As Fraturas do Equador: Análise de Conjuntura. Oikos, Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 7-29, 2023. 

 

CLAVES para entender las elecciones en Ecuador: ¿vuelve el correísmo?. El Salto, Equador, 2023. Disponível em: https://www.elsaltodiario.com/ecuador/claves-entender-elecciones-ecuador-vuelve-correismo .  Acesso em: 05 jul 2023.

 

CRISE Política no equador: entenda em cinco pontos o que está acontecendo no país. Exame, Brasil, 2023. Disponível em: https://exame.com/mundo/crise-politica-no-equador-entenda-em-cinco-pontos-o-que-esta-acontecendo-no-pais/ . Acesso em: 05 jul 2023.

 

ECUADOR convoca elecciones anticipadas para el 20 de agosto e se lanza a la precampaña. El País, Guayaquil, 2023. Disponivel em: https://elpais.com/internacional/2023-05-26/ecuador-convoca-elecciones-anticipadas-para-el-20-de-agosto-y-se-lanza-a-la-precampana.html . Acesso em: 05 jul 2023.

 

EL partido de rafael correa lidera la intención de voto en ecuador. Politika Ucab, Caracas, 2023. Disponível em: https://politikaucab.net/2023/06/09/el-partido-de-rafael-correa-lidera-la-intencion-de-voto-en-ecuador/. Acesso em: 05 jul 2023.

 

ENTENDA O que é a morte cruzada decretada por Lasso no Equador. CNN, Brasil, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-o-que-e-a-morte-cruzada-decretada-por-lasso-no-equador/ Acesso em: 05 jul 2023.

 

MACHADO, D. Equador: um país fraturado em mil pedaços. Lugar Comum, Rio de Janeiro, n. 64, p. 16-24, 2022. 

 

MALDONADO, E. Reflexões críticas sobre o Processo Constituinte Equatoriano de Montecristi (2007-2008). Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 9, n. 2, pp. 130-151, 2019. doi: 10.5102/rbpp.v9i2.6062. 

 

PREFIRO 6 meses en el purgatorio. Columna Digital, México, 2023. Disponível em: https://columnadigital.com/prefiero-6-meses-en-el-purgatorio/ . Acesso em: 05 jul 2023.

 

ROMERO, F. Eleições Regionais e consulta popular: para quem os sinos tocam. Revista Movimento, fev 2023. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2023/02/eleicoes-regionais-e-consulta-popular-no-equador-para-quem-os-sinos-tocam/ . Acesso em: 05 jul 2023.

 

RESENDE, A. La dolarización de América Latina y la Perdida de Soberania Monetaria. PET-REL, Brasília, 2023. Disponível em: http://www.petrel.unb.br/destaques/183-la-dolarizacion-de-america-latina-y-la-perdida-de-soberania-monetaria. Acesso em: 05 jul 2023.

 

SALTOS, N. Momento de Decisões no Equador. Revista Movimento, mai 2023. Revista Movimento. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2023/05/momento-de-decisoes-no-equador/. Acesso em: 05 jul 2023.

 

 

 

 

 

Da UnB Agência