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Armas Impressas: histórico e desafios regulatórios

Vinícius Nunes Aguiar

 

O tema das armas feitas em impressoras 3D tem adquirido grande proeminência, na mídia e na política. Tal fato ganhou notoriedade a partir do momento em que, graças a sua popularização, tiveram seu uso notificado em conflitos civis e pelo aumento de apreensões, principalmente em países do Norte Global. A democratização do acesso aos equipamentos necessários para sua construção, porém, pode ter grande reverberações em países de menor renda e com leis armamentistas mais restritas, como é o caso do Brasil. Portanto torna-se imperativa a pesquisa sobre o tema, seus impactos sociais e estudos para o desenvolvimento de políticas públicas que possam lidar com o tema de maneira efetiva. Inicialmente, para melhor compreender esta categoria de armamentos, é preciso traçar um pequeno histórico, por mais recente  que tal conjuntura  possa parecer.

 

Breve Histórico da Impressão de armas

Em 6 de maio de 2013, uma organização americana desenvolvedora de hardwares open-source chamada Defense Distributed publicou o primeiro design de uma arma totalmente impressa em 3D, a Liberator, que também se tornaria a mais famosa (HUTCHINSON, 2013). Os planos para a arma foram baixados mais de 100.000 vezes em apenas dois dias, antes que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos ordenasse a retração dos arquivos (GREENBERG, 2013). Em 2015, a Defense Distributed processou o Departamento de Justiça, surpreendentemente não com base na Segunda Emenda da Constituição Americana, que se refere ao direito de posse de armas de fogo, mas na primeira, acerca do direito à liberdade de expressão. O governo americano, de acordo com a desenvolvedora, estaria infringindo seu direito de compartilhar informações livremente. Segundo o criador da Defense Distributed, “se um código é um discurso, então as contradições constitucionais são evidentes, e daí se este código é uma arma? ” (HUANG, 2022). Em decorrência deste processo, o Departamento de Justiça admitiu o direito americano de publicar instruções de fabricação de armas online.

A Liberator

 

Esta primeira arma, a Liberator, era um armamento primitivo, de tiro único, porém seu trunfo estava em sua capacidade de ter todas suas partes impressas em uma impressora 3D, excluindo um prego, utilizado como martelo para detonar a munição. A partir dela, a popularização de tais armas cresceu exponencialmente, devido principalmente a dois fatores. Primeiramente, o barateamento da tecnologia necessária para sua produção: se antes as impressoras 3D eram exclusividade de laboratórios especializados, hoje, um modelo doméstico de entrada custa cerca de R$1.100. Em comparação, uma pistola adquirida legalmente custa ao menos R$6.000, sem contar os custos do treinamento e de aquisição de licença para posse, se adquirida legalmente.

 

Segundo, a complexidade e a usabilidade dos modelos impressos aumentaram, deixando de serem curiosidades para se tornarem realmente instrumentos de poder letal. Um grande exemplo desta mudança é a FGC-9 (Fuck Gun Control), a primeira arma semiautomática impressa em 3D (BAUMGÄRTNER, 2021). Atualmente, o campo vem se expandindo rapidamente, com instruções de como manufaturar munições caseiras e até modelos de design brasileiro, como a Urutau (BSARA, 2022), que busca simplificar ao máximo o processo de montagem do armamento.

A FGC-9

 

Potencial Disruptivo e Exemplos de Uso

As armas impressas em 3D tornam a capacidade governamental de controlar a propagação de armas de fogo na população civil extremamente complexa. De início, a proibição de compartilhamento de arquivos digitais poderia ser um bom primeiro passo, mas a distribuição online desses arquivos seria tão difícil de regular quanto a pirataria de filmes e software (WELCH, 2013).

As armas caseiras, como as armas impressas em 3D, são frequentemente chamadas de "ghost guns"(armas fantasma), pois podem ser obtidas  sem nenhum tipo de verificação de antecedentes e não tem nenhum número de registro, ao contrário das armas registradas , dificultando a investigação de possíveis crimes. As armas impressas também são muito mais fáceis de serem destruídas. Desde 2017, os crimes realizados por tais armas aumentaram em cerca de 1000% nos Estados Unidos (TABACHNICK, 2023).

Em 2022, o estado de Nova Iorque excluiu as armas impressas do programa de buyback, uma ação governamental que estimula a entrega de armas ilegais, sem qualquer tipo de sanção ou penalidade para o entregador, garantindo, ainda, um valor em dinheiro por arma entregue. Isto ocorreu após um cidadão perceber a oportunidade financeira de tal programa, imprimindo e entregando cerca de 60 armas, embolsando aproximadamente US$21.000 (HILL, 2022). Assim, as ghost guns são consideradas como as de maior periculosidade e que mais urgentemente precisam ser retiradas de circulação, ao mesmo tempo que não são aceitas pelos programas de desarmamento do governo.

O ano de 2021 marca a primeira vez em que as armas 3D foram utilizadas em um conflito armado de larga escala, durante a guerra civil de Myanmar, quando combatentes da organização rebelde Força de Defesa do Povo postaram fotos em redes sociais segurando armas FGC-9 (EYDOUX, 2022). Este exemplo demonstra a tendência de armas impressas causarem um impacto cada vez maior em conflitos armados em função da sua adaptabilidade, capacidade de modificação, facilidade de manufatura e descartabilidade.

 

Conclusão

As armas impressas podem facilitar a eclosão de conflitos, principalmente em contextos de segurança frágeis, nos quais a capacidade do Estado de monopolizar a violência se encontra fragilizada. A alta proliferação destes armamentos também pode dificultar a construção da paz após o fim de conflitos (HARTWIG, 2023). O advento da proliferação destas armas em território brasileiro é somente questão de tempo, o que pode exacerbar a violência e os conflitos sociais já existentes no país. O desafio de como lidar com esta nova tecnologia bélica é imperativo, tanto por parte do governo quanto pela população civil.

 

Referências: 

 

BAUMGÄRTNER, Maik. The Shadowy, Homemade Weapons Community Just Keeps on Growing. Der Spiegel, 12 out. 2021.

 

BASRA, Rajan. The Future is Now: The Use of 3D-Printed Guns by Extremists and Terrorists. Global Network on Extremism & Technology, 23 jun. 2022.

 

EYDOUX, Thomas. How rebel fighters are using 3D-printed arms to fight the Myanmar junta. The Observers, 7 jan. 2022.

 

GREENBERG, Andy. 3D-Printed Gun's Blueprints Downloaded 100,000 Times In Two Days (With Some Help From Kim Dotcom). Forbes, 2013

 

HARTWIG, Nakoma. 3d-Printed Firearms & Myanmar: Implications For Conflict And Security. Arquebus, 17 mai. 2023.

 

HILL, Michael. Seller exploits gun-buyback loophole with help of 3D printer. ABC News, 11 out. 2022.

 

HUTCHINSON, Lee. The first entirely 3D-printed handgun is here. ArsTechnica, 2013.

 

HUANG, Andrew. 3D Printed Speech: 3D-Printer Code Under Constitutional Scrutiny. Harvard National Security Journal, 13 fev. 2022.

 

TABACHNICK, Cara. Ghost gun use in U.S. crimes has risen more than 1,000% since 2017, federal report says. CBS News, 2 fev. 2023.

 

WELCH, Chris. Homeland Security memo: access to 3D gun plans 'may be impossible' to limit. The Verge, 23 mai. 2013.