Estados Unidos versus a nova lei anti-gay de Uganda: o dilema da promoção dos direitos queer na África

Felipe Alexandre Moura

O presidente ugandês Yoweri Museveni sancionou a mais nova lei anti-homossexualidade de Uganda, considerada por ativistas e organizações internacionais como uma das leis mais severas contra a comunidade queer em vigor no mundo (BBC, 2023). Em oposição à lei, o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reiterou seu compromisso com a inviolabilidade dos direitos humanos ao considerar impor sanções comerciais, o que comprometeria investimentos e apoio financeiro norte-americanos ao governo ugandês (FORBES, 2023). No entanto, Uganda é um país que dá vazão aos interesses estratégicos dos Estados Unidos na África Oriental, no tocante à promoção da estabilidade na região e no combate ao terrorismo, particularmente por meio de sua contribuição para a Missão da União Africana na Somália (U.S DEPARTMENT OF STATE, 2022). Por esse motivo, cabe avaliar a eficácia da abordagem de Biden para o avanço dos direitos humanos na África e a melhora das relações diplomáticas entre os dois países. 

A nova lei anti-homossexualidade de Uganda

Em 2014, um projeto de lei anti-homesexualidade já havia sido votado no parlamento ugandês. À época, os Estados Unidos repudiaram a incorporação de um mecanismo normativo que legitimasse a perseguição de pessoas queer em Uganda. O projeto de lei enfraqueceu os laços bilaterais entre os dois países e implicou em uma série de medidas tomadas pelo governo norte-americano, incluindo proibições de vistos, descontinuação de programas de investimento e apoio financeiro (CSIS, 2023). 

Embora a lei tenha sido anulada por falta de quórum no parlamento durante a votação, a pressão norte-americana sobre os problemas orçamentários de Uganda não foi suficiente para fazer com que os políticos homofóbicos mudassem de ideia quanto a criminalização da vivência queer. A aprovação de uma nova lei anti-homossexualidade evidencia, ainda que superficialmente, a ineficácia da abordagem adotada pelos Estados Unidos há uma década.

Hoje, a população queer de Uganda enfrenta discriminação generalizada, incluindo perda de emprego, despejos e rejeição familiar. Pessoas serão impedidas de acessar serviços de saúde adequados e enfrentarão prisão perpétua ou pena de morte por serem quem são. Mesmo aqueles que defenderem os direitos queer poderão ser condenados a longas penas de prisão por “promoção da homossexualidade”, o que causará danos irreparáveis ao ativismo queer ugandês (HUMAN RIGHTS WATCH, 2023).  

Consequências econômicas e humanitárias

Os Estados Unidos são um dos principais parceiros comerciais de Uganda, o país africano se beneficia da Lei de Crescimento e Oportunidades para a África, que proporciona acesso facilitado aos lucrativos mercados norte-americanos ao isentar produtos de países da África subsaariana do pagamento de tributos (REUTERS, 2023). Contudo, os recentes atritos diplomáticos entre os dois países, causados pelo mais novo desalinhamento de Uganda com o paradigma dos direitos humanos, podem custar a validade dessa lei para os produtos ugandeses e, consequentemente, prejudicar a atuação de Kampala no sistema multilateral de comércio.

Além disso, Uganda pode enfrentar uma crise endêmica de saúde pública, uma vez que a nova lei anti-homossexualidade dificulta que pessoas queer acessem serviços de saúde em busca de prevenção ou tratamento de doenças como o HIV/AIDS. O Pepfar (U.S. President's Emergency Plan For AIDS Relief) e a Unaids (Joint United Nations Programme on HIV/AIDS), autoridades que apoiaram os esforços de Uganda para conter o avanço da doença por décadas, temem que o estigma e a discriminação contra pessoas queer acarretem na ruína dos mecanismos de resposta e aumento exponencial de casos de HIV/AIDS em Uganda (BBC, 2023).

Ecos da opinião pública internacional 

No último mês, Yoweri Museveni pediu a retirada do item do projeto de lei que criminalizava o fato de alguém se identificar como homossexual (ibid.), reforçando que os aparelhos repressivos do Estado enxergam somente o “ato homossexual” como um delito passível de punição. O recuo do presidente ugandês denota a preocupação do governo com os ecos da opinião pública internacional, à medida que estes podem fazer diminuir ou mesmo cessar programas de cooperação, investimentos e apoio financeiro das democracias do Ocidente, recursos dos quais Uganda parece não querer abrir mão. 

Por outro lado, atores da sociedade civil argumentam que medidas hostis, como cortes de programas de ajuda externa, poderiam levar também a retaliações contra a comunidade queer e os ugandeses inocentes. Nesse caso, pode ser mais eficaz trabalhar com atores da sociedade civil local e outros atores domésticos para promover os direitos humanos e apoio à comunidade queer (DASANDI, 2022). Então, a abordagem histórica do Ocidente quando se trata de países africanos pode não ser a melhor forma de ajudar as pessoas queer em Uganda agora. 

Considerações finais

Nesse sentido, com base nas declarações do presidente norte-americano Joe Biden na  Secretaria de Imprensa da Casa Branca, pode-se inferir que o viés imperialista da condicionalidade para ajuda externa ainda deve orientar o pacote de políticas socioeconômicas dos Estados Unidos para Uganda, após a incorporação da nova lei anti-homossexualidade ao ordenamento jurídico ugandês. Sendo assim, a postura adotada pelos Estados Unidos pode até surtir efeitos imediatos, como a revisão minuciosa do projeto de lei pelo parlamento ugandês e exclusão de um item ou outro do projeto final. Porém, tal abordagem dificilmente provocará mudanças estruturais e duradouras no tocante ao avanço dos direitos humanos da comunidade queer de Uganda. 

De acordo com Kristopher Velasco (2020), Professor Assistente do Departamento de Sociologia da Universidade de Princeton nos Estados Unidos, a grande dependência de ajuda externa pode levar países a rejeitar a perpetuidade de determinadas normas. Isso ocorre porque os doadores tendem a impor condições à ajuda externa, exigindo que os países beneficiários implementem políticas específicas em troca da ajuda. Velasco defende que a exposição aos direitos queer por meio de redes de defesa transnacionais é um fator importante para a implementação de políticas mais progressistas e duradouras. Essas redes são construídas por organizações internacionais, grupos de defesa dos direitos humanos e outras organizações da sociedade civil que trabalham para promover os direitos queer em todo o mundo. 

Por fim, verifica-se que a nova lei anti-homossexualidade de Uganda reafirma seu posicionamento diametralmente oposto aos países, sobretudo aos Estados Unidos, dos quais são captados recursos importantes para o desenvolvimento socioeconômico ugandês. Tal desalinhamento, certamente, trará prejuízos para os programas de cooperação em andamento no país, que podem ser interrompidos como uma maneira de pressionar por direitos queer. Porém, é válido questionar: até que ponto essa abordagem realmente contribui para um avanço genuíno da agenda queer em países conservadores como Uganda?

Referências

 

BBC. (2023). Uganda's President Museveni approves tough new anti-gay law. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-africa-65745850. Acesso em 30 mai. 2023. 

 

CENTER FOR STRATEGIC & INT’L STUDIES. (2023). Uganda’s Horrific Anti-LGBTIQ+ Bill Returns: The Stakes Are Higher Than Ever. Disponível em: https://www.csis.org/analysis/ugandas-horrific-anti-lgbtiq-bill-returns-stakes-are-higher-ever. Acesso em 30 mai. 2023. 

 

DASANDI, Niheer. (2022). Foreign aid donors, domestic actors, and human rights violations: the politics and diplomacy of opposing Uganda’s Anti-Homosexuality Act. Journal of International Relations and Development. 25, pp. 657-684.

 

FORBES. (2023).  Biden Considers Sanctions In Response To Uganda’s Anti-Gay Law. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/lakenbrooks/2023/05/31/biden-considers-sanctions-in-response-to-ugandas-anti-gay-law/?sh=7cfa32d368f3. Acesso em 30 mai. 2023.

 

HUMAN RIGHTS WATCH. (2023). Uganda: New Anti-Gay Bill Further Threatens Rights. Disponível em: https://www.hrw.org/news/2023/03/09/uganda-new-anti-gay-bill-further-threatens-rights. Acesso em 30 mai. 2023.

 

REUTERS. (2023). Uganda accuses West of blackmail in its response to anti-LGBTQ law. Disponível em: https://www.reuters.com/world/africa/ugandas-anti-lgbtq-bill-appears-violate-constitution-un-rights-chief-says-2023-05-30/. Acesso em 30 mai. 2023. 

 

REUTERS. (2023). Uganda enacts harsh anti-LGBTQ law including death penalty. Disponível em: https://www.reuters.com/world/africa/ugandas-museveni-approves-anti-gay-law-parliament-speaker-says-2023-05-29/. Acesso em 30 mai. 2023. 

 

U.S DEPARTMENT OF STATE. (2022). U.S Relations With Uganda. Disponível em: https://www.state.gov/u-s-relations-with-uganda/. Acesso em 16 jun. 2023.

 

VELASCO, Kristopher. (2020). A Growing Queer Divide: The Divergence between Transnational Advocacy Networks and Foreign Aid in Diffusing LGBT Policies. International Studies Quarterly, 64, pp. 120-132. 

 

WEBER, Cynthia. (2016). Queer International Relations: Sovereignty, Sexuality and the Will to Knowledge. Oxford University Press: Oxford Studies in Gender and International Relations. 

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