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Análises Quinzenais
PET-REL

Por Nathália Rabelo

No caso do conflito Israel-Palestina, logicamente, não se trata de fomentar uma “nova guerra”, mas de intensificar um conflito permanente que oscila, tão-somente, entre ondas de violência extrema e momentos de guerra de baixa intensidade. (ISRAEL..., 2023)

O ano de 2023 se iniciou com um preocupante agravo nos conflitos entre israelenses e palestinos, com um alarmante número de pelo menos 35 palestinos mortos, dentre eles, crianças e uma idosa. (ISRAEL..., 2023) Isso significa que o saldo de vítimas fatais na Cisjordânia ocupada já é mais de um morto por dia do lado palestino (BOUKHELIFA, 2023). 

A Autoridade Palestina (AP) é um órgão independente criado em 1994, a partir dos Acordos de Oslo (1993) com o intuito de atender às necessidades civis dos palestinos e cooperar com Israel em matéria de segurança. A AP anunciou que encerraria a cooperação de segurança com Israel, que havia sido retomada no final de 2020, em razão do recente “massacre” e enfraquecimento dos acordos. (ISRAEL..., 2023) Nesse sentido, a presente análise tem por objetivo discorrer sobre as recentes transgressões das Forças de Defesa de Israel (FDI) na Cisjordânia ocupada, desse modo, será feito um apanhado histórico sobre o conflito, e em seguida, serão esboçados os possíveis desdobramentos para essa nova onda de conflitos.

Os fatores históricos do território

O território da Palestina é de extrema importância para as principais religiões do mundo, como o cristianismo, islamismo e judaísmo, devido aos textos bíblicos que descrevem a região como a Terra Santa, além dos importantes monumentos históricos e religiosos de Jerusalém.  Logo, pode-se dizer que o centro dos conflitos na Palestina remonta a essa herança religiosa, visto que ambos pretendem restabelecer sua soberania na região: os judeus desde sua expulsão da antiga Judeia, nos primeiros séculos depois de Cristo; e os árabes desde o domínio e opressão pelo Império Otomano. (CRONOLOGIA..., 2009)

As potências imperialistas ocidentais têm papel principal na formação das primeiras hostilidades entre esses povos. Na década de 1920, a Inglaterra imperialista deu início aos primeiros conflitos ao prometer aos judeus que ali seria seu lar nacional e aos árabes que ajudaria na conquista de sua independência no território. (SALOMÃO, 2017) Com o aumento da população judaica na Palestina, ao mesmo passo que o Partido Nazista se articulava na Alemanha e levou à uma diáspora dos judeus, ocorreram diversas hostilidades e conflitos armados entre os povos. O Mandato Britânico propôs então uma partilha do território após a Revolta Árabe, como uma tentativa de solucionar os crescentes conflitos entre os dois povos. Assim seriam criados dois Estados independentes e Jerusalém seria considerada um “corpus separatum”, que agiria sob administração própria (SALOMÃO, 2017).

O Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP), criado em 1947, pretendia produzir estudos que possibilitassem uma solução para os conflitos, no entanto, não havia acordo entre as partes interessadas. Mesmo com os países da Liga Árabe se posicionando contra, a Resolução n° 181 dividiu o território palestino em dois Estados independentes. “Estando configurada a partilha, o território foi assim dividido: três partes para os judeus e duas partes para os árabes, a sétima parte para Jaffa e formando um enclave entre os dois Estados, a oitava parte para Jerusalém com status internacional e administração pelas Nações Unidas.” (RESOLUÇÃO..., 1947)

Após décadas de inúmeros conflitos armados, guerras, e acordos de segurança que duravam pouco tempo, iniciou-se a terceira guerra entre os palestinos e Israel. Essa guerra ficou conhecida como a Guerra dos Seis Dias (1967), em que Israel saiu vitorioso, visto suas conquistas territoriais: o controle total de Jerusalém, da Cisjordânia e a Faixa de Gaza (GUILLAUME, 2003, apud SALOMÃO, 2017). Israel justificou essa ocupação como uma defesa preemptiva, e seria mantida até que fosse concluído um Tratado de Paz, o que não foi realizado até os dias atuais.

Em 1974, após a Cúpula de Rabat, a Assembleia Geral da ONU reconheceu o direito da autodeterminação dos palestinos e seu direito à independência e soberania na região (SALOMÃO, 2017). O não cumprimento dessa resolução, em conjunto com outras que determinavam a saída de Israel das ocupações no território palestino, foi responsável pelos desdobramentos que levaram a Primeira Intifada.

A guerra civil no Líbano mostrou aos palestinos que seria possível expulsar o exército israelense se a população local se envolvesse no conflito armado; assim, em 1987, após uma repressão do FDI em um funeral que ocorria na Faixa de Gaza, milhares de palestinos arremessaram pedras contra o exército, o que repercutiu por todas as cidades de Gaza e na Cisjordânia, além de evoluir para o território de Israel (SALOMÃO, 2017).

Esse evento criou o grupo paramilitar sunita Hamas, que mantém bases próximas a Tel Aviv e propaga o sentimento extremista de destruição de Israel por meio da luta armada, além da criação de um Estado Palestino que comandaria todo o território (SALOMÃO, 2017). Este grupo é atualmente um dos maiores empecilhos dos palestinos para a formulação dos acordos de paz, visto que, para eles, um acordo que mantenha o território dividido com os israelenses não é vantajoso.

Em 1993 ocorreu a conferência de paz que levou aos Acordos de Oslo. Neste acordo foi criada a Autoridade Palestina, que deveria manter a segurança interna em Gaza e posteriormente na Cisjordânia. Para o sucesso do acordo e demonstração sua capacidade de controle a AP também se torna responsável por funções públicas, como saúde e educação, além de assumir funções legislativas para que o território não mais estivesse sob o domínio israelense. (SALOMÃO, 2017).

Foi nos anos 2000, entretanto, que ocorreu o pior conflito entre os povos, com a segunda Intifada. Pouco antes, negociações sobre a saída total de Israel do território palestino haviam fracassado, e uma visita do chefe da oposição à Esplanada das Mesquitas foi julgada pelos palestinos como uma provocação de Israel. Isso desencadeou uma nova onda de conflitos, novamente iniciado com pedras sendo atiradas contra o FDI em resposta a uma série de transgressões cometidas e posteriormente, com o incentivo de grupos extremistas para a continuação dos embates. Com isto, o FDI entrou e militarizou novamente toda a região, com o pretexto de acabar com as estruturas terroristas. (SALOMÃO, 2017)

Dito isto, a autonomia palestina foi reduzida em vista da atuação do terrorismo. Israel instalou postos de fiscalização na Cisjordânia e Gaza, que dificultam a circulação da população palestina, e levantou um muro que delimita o acesso às fronteiras de Israel. (SALOMÃO, 2017) A presença de Israel novamente dentro das cidades palestinas e a construção do muro, que atualmente se estende por mais de 700 quilômetros (O MAPA..., 2021) levou a um enorme retrocesso para o processo de retomada do controle e autonomia do território palestino por parte da AP.

O conflito atualmente

A ocupação por parte dos israelenses perdura e aumenta a cada dia. Além dos postos de fiscalização e da presença do exército, obstáculos rodoviários e assentamentos de israelenses são anexados na ocupação como mais uma forma de controlar o território e a população palestina. Atualmente, existem mais de 250 assentamentos israelenses na Cisjordânia, e dados indicam que a população de colonos está crescendo mais que a taxa de crescimento populacional em Israel. (O MAPA..., 2021)

Os assentamentos são apenas uma das violações ao direito internacional e aos direitos de soberania palestina cometidas por Israel. Os colonos, com apoio do FDI, constantemente violam os direitos palestinos, seja por agressões à população, ou por atividades que aumentam sua ocupação, como: roubo de terras, pavimentação de novas estradas entre os assentamentos, e demolição de casas e estabelecimentos palestinos. “Os colonos e forças de ocupação israelenses cometeram 3.532 violações contra palestinos na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém em janeiro, revelou o Centro Nacional de Informações da Palestina.” (ISRAEL..., 2023)

Esses dados, em conjunto com a quantidade de mortos do lado palestino, e os constantes ataques aos campos de refugiados em Jenin e Nablus, duas cidades da Cisjordânia, demonstram uma ampliação das incursões militares israelenses em 2023. Essa ampliação é fortemente endossada pelo atual governo israelense, formado por uma coalizão entre direita e extrema-direita. As políticas do atual Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, e do Ministro de Segurança Nacional Itamar Ben-Gvir, podem ser apontadas como um dos principais motivos para os aumentos nos ataques, visto que ambos constantemente discursam elogiando as ações das forças israelenses e promovem propostas políticas contra os direitos dos palestinos. Dentre elas, por exemplo, o estabelecimento de uma guarda nacional na Cisjordânia, composta por membros da polícia da fronteira, além de normas para proteger os soldados israelenses de serem responsabilizados em casos de ações violentas contra os palestinos (ISRAEL..., 2023)

Considerações finais

O escritor e analista político palestino Mustafa Ibrahim afirmou que o pior ainda está por vir, e além disso, as repercussões serão mais perigosas nos próximos dias, à luz do alerta de Ben-Gvir e das tentativas do FDI e dos ocupantes de isolar os palestinos em suas áreas. (ISRAEL..., 2023) As medidas e ações israelenses supracitadas estão faceando de forma perigosa os limites da população palestina. Deste modo, pode-se afirmar que as retaliações palestinas aos ataques estão a cada dia mais violentas, tornando possível o início de uma nova Intifada.

Como explicitado anteriormente, a Autoridade Palestina encerrou a cooperação de segurança com Israel em vista dos massacres contra sua população e pretende acionar o Conselho de Segurança e outros órgãos internacionais sobre tal violência (ISRAEL..., 2023) o que denota a tamanha insatisfação palestina ao aumento descabido de ataques. Dessa forma, acredita-se que a resposta de grupos mais extremos e até mesmo da população deve seguir outros rumos, muito mais violentos, como o que ocorreu nas duas Intifadas anteriores.

Faz-se possível manifestar que há, ainda hoje, uma grande disparidade entre os armamentos israelenses e palestinos. Entretanto, isso não tem impedido as retaliações palestinas, e confrontos entre militares israelenses e civis estão cada vez mais recorrentes, de forma preocupante, com o apoio dos grupos extremistas como o Hamas e a Jihad Islâmica. Espera-se que essa nova onda de conflitos seja apaziguada pelos órgãos, como a ONU e a Liga Árabe e atores internacionais, a fim de a resolver a situação e pressionar  a saída dos israelenses do território palestino, podendo, enfim, alcançar um Tratado de Paz, sem que a população palestina continue sofrendo ataques e veja como única saída o confronto armado, como em 2000.

 

Referências

ATAQUE de Exército de Israel mata 10 palestinos na Cisjordânia. G1, [S. l.], p. x, 27 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/01/27/ataque-de-exercito-de-israel-mata-10-palestinos-na-cisjordania.ghtml . Acesso em: 12 fev. 2023

BOUKHELIFA, Sami. Cisjordânia ocupada registra mais de um morto por dia desde o início do ano. RFI, [S. l.], p. x, 26 jan. 2023. Disponível em: https://www.rfi.fr/br/mundo/20230126-cisjord%C3%A2nia-ocupada-registra-mais-de-um-morto-por-dia-desde-o-in%C3%ADcio-do-ano . Acesso em: 12 fev. 2023.

CRONOLOGIA da História da Palestina: 1. Da Terra de Canaã ao fim do Império Otomano. MPPM, [S. l.], p. x, 17 fev. 2009. Disponível em: https://www.mppm-palestina.org/content/cronologia-da-historia-da-palestina-1-da-terra-de-canaa-ao-fim-do-imperio-otomano . Acesso em: 16 fev. 2023.

DIRETOR da CIA compara aumento da violência na Palestina à Segunda Intifada. MEMO, [S. l.], p. x, 8 fev. 2023. Disponível em: https://www.monitordooriente.com/20230208-diretor-da-cia-compara-aumento-da-violencia-na-palestina-a-segunda-intifada /. Acesso em: 12 fev. 2023. - essa referência não está no texto

ISRAEL comete 3.532 violações na Cisjordânia e em Jerusalém só em janeiro. MEMO, [S. l.], 4 fev. 2023. Disponível em: https://www.monitordooriente.com/20230204-israel-comete-3-532-violacoes-na-cisjordania-e-em-jerusalem-so-em-janeiro/ . Acesso em: 12 fev. 2023.

ISRAEL em crise, Palestina em chamas. Le Monde Diplomatique Brasil, [S. l.], p. x, 10 fev. 2023. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/israel-em-crise-palestina-em-chamas/ . Acesso em: 12 fev. 2023.- Essa tem que trocar no texto. Está escrito le monde, mas é israel comete..

O MAPA da ocupação israelense. PCdoB, [S. l.], p. x, 19 maio 2021. Disponível em: https://pcdob.org.br/noticias/o-mapa-da-ocupacao-israelense/ . Acesso em: 12 fev. 2023.

RESOLUÇÃO 181 da Assembleia Geral da ONU: Plano de partilha da Palestina em um Estado árabe e um Estado judeu com união econômica e regime especial para Jerusalém (29 de novembro de 1947). ONU, [S. l.], v. Volumes I-IV da Assembleia Geral, 29 nov. 1947. Segunda seção, p. 1-25. Disponível em: https://israeled.org/wp-content/uploads/2022/09/1947.11.29-res-181-PICS-from-MER-KSTEIN-01P_pt-BR.pdf . Acesso em: 16 fev. 2023.

SALOMÃO, Wiliander França. Os Conflitos entre Palestinos e Israelenses: a trajetória dos fatos históricos e o Direito Internacional. [S. l.]: D'Plácido, 2017.