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Análise Quinzenal
PET-REL

Camila Gomes e Mariana Nascimento

 

“Wherever I go, except for Barbados, I’m an immigrant. I think people forget that a lot of times. I think they see 'Rihanna the brand', but I think it’s important for people to remember [...] everyone out here is just like me. A million Rihannas out there, getting treated like dirt” (RIHANNA, 2019).

 

 

Nascida em Barbados, uma ilha localizada na América Central e declarada heroína nacional do país em 2021 (FRANCE, 2021), Rihanna migrou para os Estados Unidos em 2005, em busca do sonho de se tornar uma cantora profissional. Alguns meses depois de chegar no país, lançou sua primeira música e alcançou números expressivos para sua estreia em charts musicais de destaque, como o Billboard Hot 100 (2023). Desde então, a cantora e empresária barbadiana produziu diversas músicas de sucesso, assim como passou a ser reconhecida em todo o mundo. Por ter sido nos Estados Unidos que teve a oportunidade de iniciar de fato sua carreira como cantora, Rihanna com frequência é tida como estadunidense, ainda que constantemente faça questão de lembrar que é uma imigrante no país. Seu posicionamento insistente é uma forma de resistência à mídia mainstream ocidental – majoritariamente baseada nos Estados Unidos e feita para perpetuar a cultura estadunidense –, que em muito parece ignorar sua nacionalidade.

 

Assim, Rihanna constantemente é colocada em posições em que precisa reafirmar e relembrar suas raízes, além de mostrar que, mesmo com uma carreira de sucesso mundial, ainda é natural de Barbados. O caso de sucesso da cantora e empresária, entretanto, destoa de tantos outros migrantes que vão rumo ao território norte-americano e buscam adentrar suas fronteiras em busca de emprego e melhores condições de vida, e pessoas que migram para os Estados Unidos frequentemente se deparam uma realidade muito diferente da vivenciada por ela. A realidade de migrantes comuns nos EUA é cercada por barreiras impostas para dificultar a entrada e permanência no país daqueles socialmente considerados "menos desejados" (CERNADAS, 2016), de forma que, desde a entrada no país, controlada pelo governo de maneira completamente securitizada, até à permanência e vivência cotidiana na sociedade. 

 

Esse grupo, que já sofre consideravelmente ao precisar não apenas superar as barreiras políticas impostas para limitar seu acesso ao país, mas que se vê também com o peso de lidar com uma população em muito xenofóbica e segregatória para com aqueles que fogem do padrão aceito localmente, enfrenta ainda mais dificuldades de adaptação. Mesmo com o país se colocando como defensor exímio dos direitos humanos e sendo este supostamente um objetivo de sua política externa (US DEPARTMENT…, 2022), o modo como lida de fato com a grande quantidade de imigrantes buscando espaço no país caracteriza-se como uma situação em que, além de ignorar princípios que soam como centrais na imagem que os EUA visam manter, despreza completamente o artigo segundo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelos Estados Unidos, que prevê que: 

 

“Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração [...]. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948).

 

    Dessa forma, essa análise pretende explorar o impacto que figuras públicas de grande destaque, como é o caso da artista supracitada, podem gerar na maneira que a imigração é vista e tratada nos Estados Unidos, assim como a visão acerca da pessoa migrante. Para além, buscaremos investigar também se a cantora e empresária bilionária (BERG, 2021) foi capaz de romper com a reprodução e disseminação massiva de cultura estadunidense, ascendendo como uma cantora barbadiana e alavancando seu país de origem no cenário internacional, ou se ela apenas se adequou aos costumes ditados pelos EUA, de forma que sua grande ascensão não tenha representado qualquer impacto considerável em seu país de origem. 

 

Produção e disseminação massiva da cultura estadunidense no mundo 

 

    Assim como apresentado por Cardoso (2007), “a comunicação é processo-base de toda e qualquer organização social”. Desse modo, a mídia tem enorme influência no que é divulgado e consumido, criando algumas das bases da sociedade nacional e internacional e sendo capaz, inclusive, de aumentar ou diminuir o softpower de Estados no cenário internacional. 

 

    Essa estratégia, muito utilizada pelos Estados Unidos, principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial, auxiliou o país a difundir sua cultura pelo mundo e ampliar o apoio aos seus ideais, firmando mais uma vez seu papel de superpotência. Confirmação do sucesso disso é o fato de que, nos dias atuais, a cultura estadunidense pode ser observada em praticamente todos os lugares, e essa propagação massiva de produtos diversos incentivada pelo país, como a música, criou um padrão de consumo global extremamente voltado para o mercado estadunidense (SANTOS, 2019). Dessa forma, é comum que o país siga produzindo e disseminando fortemente artistas que fortalecem o fascínio para com a imagem positiva que buscam passar para o resto do mundo.

 

Assim, quando artistas nacionais de outros países ascendem ao ponto de ultrapassar o obstáculo imposto por nascerem fora do eixo estadunidense, são, muitas vezes, "absorvidos" pelo contexto de consumo em que estão inseridos, de forma a terem muitas vezes suas raízes apagadas. Logo, quando figuras públicas nacionais de outros Estados o fazem e procuram não ter sua história apagada de forma a se adequar ao padrão estadunidense, acabam por trazer visibilidade ao seu país de origem, e em uma escala ainda maior caso venham de Estados menores e com pouca projeção internacional, como é o caso da atenção direcionada à Barbados com o sucesso global de Rihanna. A empresária e cantora barbadiana não apenas reitera com frequência seu posicionamento quanto à sua origem de forma a esclarecer ser uma imigrante nos EUA, como também passou a ter um papel de destaque na política nacional da ilha de Barbados. Rihanna, que se tornou embaixadora de Barbados para assuntos em Educação e Turismo (LANG, 2018), é também defensora dos direitos de imigrantes nos EUA que, assim como ela um dia o fez, buscam por oportunidades e pelo tão propagado “american dream”.

 

Os Estados Unidos e a questão migratória 

 

    Muitos imigrantes, entretanto, quando chegam ao país encontram uma situação distinta da disseminada em propaganda e de um país livre onde sonhos se tornariam realidade, uma vez que chegam e encontram um cenário que impõe inúmeras barreiras aos imigrantes. Joe Biden, 46º Presidente dos Estados Unidos, assumiu a Casa Branca em janeiro de 2021 com um discurso que visava realizar mudanças significativas na política migratória do país. Mais de dois anos depois, porém, não se enxergam avanços consideráveis na política migratória do país, tampouco grande reviravolta nessas políticas, conforme prometido por Biden. Com um posicionamento e uma agenda de imigração que prometia ser a mais auspiciosa em trinta anos, o presidente norte-americano tem encontrado dificuldades para concretizar suas promessas. Além das dificuldades impostas pela pandemia de covid-19 e pelo aumento considerável de imigrantes tentando ingressar ao país através das fronteiras, o Presidente tem, também, lidado com resistência no Congresso do país. A referida reforma prometida teria como um de seus objetivos centrais garantir a nacionalidade de 11 milhões de imigrantes que, em sua maioria, exerceram papéis e trabalhos considerados essenciais durante os momentos mais críticos da pandemia de covid-19 no país (BEAUREGARD, 2021), entretanto, o que se viu recentemente foi a criação de mais barreiras migratórias, assim como espaços de detenção para imigrantes em situação de ilegalidade (ANDERSSON, 2021; BERCITO, 2022).

 

    Enquanto essa reestruturação não acontece, segue em vigor a rigorosa política de imigração do governo Trump. Conhecida como Title 42, a medida dá ao governo estadunidense o poder de expulsão de migrantes indocumentados que estão tentando entrar no país de maneira automática sob a justificativa de que seria uma medida sanitária necessária em função da covid-19, infringindo diretamente o princípio de non-refoulement (UNHCR, 1977). Prevista para acabar em 21 de dezembro de 2022, a política teve seu prazo estendido por prazo indeterminado pela Suprema Corte Americana (DEBUSMANN JR & EPSTEIN, 2022). 

    

A Casa Branca chegou a se pronunciar, informando que os preparativos para controlar as fronteiras de forma mais “segura, ordenada e humana” (CASA BRANCA, 2022, apud DEBUSMANN JR & EPSTEIN, 2022) estariam avançando. Todavia, a resposta do atual governo americano ainda é lenta e onerosa aos imigrantes, incluindo os solicitantes de asilo, que diariamente são deportados sem os devidos processos. A política, que supostamente tinha como justificativa o controle da pandemia de covid-19, contudo, é de  desassociação de outros fins desonestamente justificados por "medidas sanitárias", e em muito se pode observar a existência de outras motivações políticas e sociais para sua manutenção. 

 

    Peter Cawdron (2013, apud, ORAZEM, 2022), pesquisador da Universidade de Columbia, destacou a ligação desse tipo de política internacional com a xenofobia presente na população do país. Sua pesquisa trabalha com a hipótese do "medo irracional", que faz com que parcela da população estadunidense tenha um temor ilógico de migrantes, especialmente latinos, roubarem seus empregos, baseado no fato de alguns mercados de trabalho estarem diminuindo rapidamente a mão de obra antes utilizada. A realidade, contudo, é que muitos cargos estão sendo automatizados e por isso alguns cargos e ocupações têm diminuído. Corroborando com essa ideia, o historiador e psiquiatra, George Makari (2021, apud, ORAZEM, 2022), explicou que lideranças  autoritárias e com tendências xenofóbicas utilizam os imigrantes como "bodes expiatórios", terceirizando a culpa de uma má administração.

    Essas situações, adjuntas da imprensa americana, que fomenta uma guerra entre povos (WIMMER, 2022), cria um ambiente extremamente hostil para imigrantes nos Estados Unidos, ainda que o país conte com figuras notáveis que não apenas defendem, mas também integram esse grupo, como é o caso de Rihanna. Além disso, ainda pode-se observar que o governo é um dos maiores responsáveis por essa situação, uma vez que mesmo os governantes mais progressistas, como Joe Biden e seus colegas de partido, acabam se mostrando passivos e não dando prioridade real para resolver tal questão, ainda que discursem publicamente em prol de um processo migratório mais humano e sensível às necessidades de quem busca construir uma vida no país.

 

E a Rihanna com isso?

 

    Graças ao seu ativismo político e influência mundial, Rihanna foi nomeada Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária de Barbados (LANG, 2018; ESTADÃO, 2018). Neste cargo, ela possui a responsabilidade de viabilizar o turismo, a educação e o investimento no país. Esse cargo não foi oficializado apenas por sua carreira empresarial e artística de sucesso, mas também – e principalmente –, por trabalho filantrópico, exercido sobretudo por meio de sua fundação Clara Lionel Foundation (CLF), que atua com foco na área da saúde, educação e em iniciativas em tópicos que envolvem justiça climática (CLF, 2023). Além disso, o fato de sempre se posicionar como uma imigrante de Barbados aumentou o reconhecimento da ilha, que se tornou República em 2021 ao cortar laços com a monarquia britânica (MIGUEL, 2021).

    Ao fim, percebe-se o impacto da Rihanna em múltiplos aspectos. Ela foi capaz de se tornar uma das maiores cantoras de pop do mundo, se impondo como imigrante e utilizando-se de sua influência para atrair atenção a tópicos ignorados. Ao se tornar a mulher mais jovem a se tornar bilionária, muito em função de sua marca Fenty Beauty, marca que foca e investe fortemente na diversidade de corpos, rompendo com o padrão europeu, que sucessivamente marginalizou corpos que fugiam do definido, mostrou também a possibilidade de ascender, contanto que possua apoio, incentivo e oportunidades para tal.

Sua realidade, entretanto, não é a regra. Não apenas pelo fato da indústria estadunidense promover conteúdo que reforce sua propaganda e fortaleça a imagem do “american way of life”, de forma a favorecer artistas nacionais que apresentem potencial para disseminar ainda mais essa cultura, mas também por pertencer a grupos minoritários marginalizados nos Estados Unidos. Ainda assim, sua presença é de extrema relevância não somente por revolucionar diferentes indústrias, como a musical e a de cosméticos, mas por seu posicionamento frente ao modo que imigrantes são tratados uma vez que estejam nos EUA.

 

Referências

 

ANDERSSON, Hilary. 'Heartbreaking' conditions in US migrant child camp. BBC, 23 jun. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-us-canada-57561760. Acesso em: 12 fev. 2023. 

 

BEAUREGARD, Luis Pablo. Política migratória de Biden continua à espera da grande reviravolta prometida. EL PAÍS, 09 nov. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-09/politica-migratoria-de-biden-continua-a-espera-da-grande-reviravolta-prometida.html. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

BERCITO, Diogo. EUA mantêm imigrantes em prisões que visam lucro e acumulam denúncias. Folha de S. Paulo, 17 dez. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/12/eua-mantem-imigrantes-em-prisoes-que-visam-lucro-e-acumulam-denuncias.shtml. Acesso em: 11 fev. 2023 

 

BERG, Madeline. Fenty’s Fortune: Rihanna Is Now Officially A Billionaire. Forbes, 04 ago. 2021. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/maddieberg/2021/08/04/fentys-fortune-rihanna-is-now-officially-a-billionaire/?sh=403491b17c96. Acesso em: 13 fev. 2023. 

 

CARDOSO, Gustavo. A Mídia na Sociedade em Rede. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007.

 

CERNADAS, Pablo Ceriani. A linguagem como instrumento de política migratória: novas críticas sobre o conceito de "migrante econômico" e seu impacto na violação de direitosSur, São Paulo, vol. 13, nº 23, 2016, p. 97-112.

 

CHART History Rihanna. Billboard Hot 100. Billboard. 2023. Disponível em: https://www.billboard.com/artist/rihanna/chart-history/hsi/. Acesso em: 12 fev. 2023.  

 

CLARA Lionel Foundation. 2023. Disponível em: https://claralionelfoundation.org. Acesso em: 13 fev. 2023. 

 

DEBUSMANN JR, Bernd & EPSTEIN, Kayla. O que é o Title 42, polêmica política de imigração da era Trump mantida pela Suprema Corte dos EUA. BBC NEWS, 28 dez. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64102620. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

FRANCE, Lisa Respers. Rihanna é nomeada heroína nacional da República de Barbados. CNN BRASIL, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/rihanna-e-nomeada-heroina-nacional-da-republica-de-barbados/. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

HUMAN Rights and Democracy. U.S. Department of State. 2023. Disponível em: https://www.state.gov/policy-issues/human-rights-and-democracy/. Acesso em: 12 fev. 2023. 

 

LANG, Cady. Rihanna Has an Important New Job With the Barbados Government. Time, 21 set. 2018. Disponível em: https://time.com/5403636/rihanna-barbados-ambassador/. Acesso em: 12 fev. 2023. 

 

MIGUEL, Rafa de. Barbados se despede de Elizabeth II para se tornar uma nova república. El País, 29 nov. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-11-29/barbados-se-despede-de-elizabeth-ii-para-se-tornar-uma-nova-republica.html. Acesso em: 13 fev. 2023. 

 

NOTE on Non-Refoulement (Submitted by the Commissioner) EC/SCP/2. UNHCR, 23 ago. 1977. Disponível em: https://www.unhcr.org/excom/scip/3ae68ccd10/note-non-refoulement-submitted-high-commissioner.html. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

ORAZEM, Elóa. Um estranho no ninho: como o ódio a estrangeiros existe e cresce nos Estados Unidos. Brasil de Fato, 09 mar. 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/03/09/um-estranho-no-ninho-como-o-odio-a-estrangeiros-existe-e-cresce-nos-estados-unidos. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Resolução 217 A III de 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 12 fev. 2023. 

 

RIHANNA. Fenty Release. Nova York, The Cut, 20 jun. 2019. Entrevista a Matthew Schneier.

 

RIHANNA é nomeada 'embaixadora extraordinária' de Barbados. Estadão, 21 set. 2018. Disponível em: https://www.estadao.com.br/emais/gente/rihanna-e-nomeada-embaixadora-extraordinaria-de-barbados/. Acesso em: 13 fev. 2023.

 

SANTOS, Thiago Rocha. A música enquanto estratégia de soft power: uma análise da influência do pop norte-americano na difusão da língua inglesa nos anos 90. TCC (Bacharelado em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais) - Centro De Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento De Mediações Interculturais, Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2019.