Lenira Vitoria Barroso de Oliveira
“The global outpouring of rage and empathy over Mahsa Amini’s death must be followed by concrete steps by the international community to tackle the crisis of systemic impunity that has allowed widespread torture, extrajudicial executions and other unlawful killings by Iranian authorities to continue unabated both behind prison walls and during protests.” (Eltahawy, 2022)
O Irã enfrentou – desde setembro de 2022 – uma onda de protestos no país devido à morte de Mahsa Amini, após ela ser presa pela polícia da moralidade pelo “uso inadequado” do hijab (COMO A MORTE..., 2022). A partir disso, irrompeu-se uma série de manifestações no país que se refletiu em uma forte repressão por parte do governo iraniano aos manifestantes, condenando alguns, até mesmo, a execução (IRÃ EXECUTA..., 2023).
Diante disso, a presente análise buscará analisar os desdobramentos da morte de Mahsa Amini no cenário nacional e internacional. Destarte, buscar-se-á expor os acontecimentos que se seguiram à morte da jovem e que repercutiram em repressões por parte do governo iraniano aos manifestantes e, sobretudo, as mulheres iranianas. Já no cenário internacional, haverá uma ênfase nas respostas das organizações internacionais aos acontecimentos transcorridos no Irã. Por fim, cabe pontuar que a análise buscará, outrossim, traçar os eventuais desdobramentos dessa onda de protestos para a realidade social iraniana.
A morte de Mahsa Amini: o estopim da onda de manifestações no Irã
Em 13 de setembro de 2022, a iraniana de origem curda, Mahsa Amini, foi presa pela polícia da “moralidade” no Teerã (IRAN: DEADLY..., 2022). Após três dias do ocorrido, a jovem curda de 22 anos faleceu e as autoridades alegaram que sua morte foi devido a um ataque cardíaco, mas sua família refutou essa versão da polícia, argumentando que ela não possuía problemas cardíacos e dizendo que ela tinha marcas de agressões em seu corpo; alegando, portanto, que a polícia foi responsável pela morte (TIMELINE: EVENTS..., 2022).
De acordo com testemunhas que presenciaram sua prisão, Mahsa Amini teria sido violentamente agredida enquanto estava sendo transferida para o centro de detenção Vozara em Teerã (IRAN: DEADLY..., 2022). Em seguida, ela foi transferida para o hospital de Kasra, onde ela teria ficado em coma até o seu falecimento no dia 16 de setembro. As autoridades iranianas anunciaram que iniciariam investigações para analisar o episódio, enquanto negavam qualquer acusação (IRAN: DEADLY..., 2022).
Os protestos em reação a morte de Mahsa Amini
A morte de Mahsa Amini foi o estopim de uma série de protestos no país que se espalharam em diversas cidades do Irã ao longo dos meses que se seguiram ao ocorrido (VASCONCELOS, 2022). As manifestações que tomaram conta do país traziam o rosto da jovem com escritos como “Mulher, Vida e Liberdade” e “Os estudantes preferem a morte à humilhação” e, logo, tornaram-se símbolos dos protestos (VASCONCELOS, 2022).
No que tange as imagens das manifestações que circularam nas redes sociais e geraram comoção internacional, cabe destacar as mulheres iranianas queimando seus véus e expondo seus cabelos nas ruas (VASCONCELOS, 2022). Nesse contexto, essas mulheres além de exigirem justiça pela morte de Mahsa Amini, exigiam, também, mais direito e autonomia às mulheres, assim como a toda sociedade iraniana (VASCONCELOS, 2022).
Pode-se salientar que a morte da jovem foi responsável por unir diversas etnias e gêneros às manifestações. Desse modo, os protestos que se iniciaram com a mobilização de mulheres, logo mobilizaram também os homens, principalmente, os jovens (COMO A MORTE..., 2022). Além disso, outra manifestação significativa em apoio a causa das mulheres iranianas, foi a recusa dos jogadores da seleção iraniana de cantarem o hino nacional na Copa do Mundo do Catar (COMO A MORTE..., 2022).
No que se refere a reação da população iraniana à morte da jovem curda, Mahsa Amini, pode-se notar uma intensa mobilização dos indivíduos, sobretudo, das mulheres em se opor a um regime repressivo que, muitas vezes, cerceia seus direitos básicos. Dessa forma, nota-se que esse impulso por mais direitos no Irã possui, em torno de si, um conjunto de ideias que podem transformar a realidade social iraniana, apesar da repressão do governo.
A repressão do governo iraniano as manifestações e a resposta das organizações internacionais
Segundo ativistas dos Direitos Humanos no Irã, ao menos 517 civis perderam a vida nas manifestações e se estima que mais de 19 mil foram presos até o início de janeiro de 2022 (IRAN EXECUTES..., 2023). Ainda nesse período, dois homens, condenados ao enforcamento, foram executados no Irã. Desse modo, o número de manifestantes executados pelas autoridades iranianas, desde o início dos protestos, subiu para quatro (IRÃ EXECUTA, 2023).
Ainda de acordo com os grupos de direitos humanos, os julgamentos são realizados de forma rápida e não é permitida a presença de pessoas externas à Corte Revolucionária do Irã, sendo os réus representados por advogados designados pelo próprio governo (IRÃ EXECUTA, 2023). Além disso, afirma-se que as evidências apresentadas normalmente não são claras e as confissões são obtidas por meios coercitivos, como a tortura.
Em relação às respostas das organizações internacionais aos acontecimentos no Irã, pode-se evidenciar o pedido do chefe de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Volker Türk, para que o Conselho de Direitos Humanos iniciasse uma investigação independente no que se refere a violência contra manifestantes no Irã (ONU INVESTIGA..., 2022). O pedido foi feito no dia 24 de novembro de 2022, a fim de investigar de maneira independente a violência que ocasionou centenas de mortes de manifestantes.
Diante desses acontecimentos, nota-se a necessidade por parte de organizações internacionais dos direitos humanos da instauração imediata de uma investigação sobre a conduta do governo iraniano para com os manifestantes. Nesse sentido, corrobora a fala do alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, em um comunicado no dia 10 de janeiro de 2023, em que ele diz que "o uso de processos criminais como arma para punir quem exerce seus direitos básicos, como aqueles que participam ou organizam protestos, se assemelha a um assassinato de Estado” (APÓS PROTESTOS..., 2023).
No âmbito do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, adotou-se uma resolução bastante controversa de remover o Irã como membro na Comissão sobre a Situação das Mulheres no tempo restante do termo de 2022-2026; alegando como justificativa, a opressão de mulheres e meninas no país (ECONOMIC AND SOCIAL…, 2022). A resolução “L.4”, que prevê a remoção imediata do país da comissão, foi adotada com 29 votos a favor, 8 contra e 16 abstenções; gerando intensas discussões dos representantes que apresentaram argumentos fortes tanto a favor quanto contra a resolução.
Nessa perspectiva, cabe evidenciar que a resolução é importante, na medida em que ela retira o Irã de uma comissão que defende, justamente, a promoção da equidade de gênero e o empoderamento das mulheres (ECONOMIC AND SOCIAL…, 2022). Desse modo, a sociedade internacional, por meio de uma organização internacional, demonstra que não compactua com as ações repressivas perpetradas pelo governo iraniano às mulheres e aos protestantes, de maneira geral.
A reação do governo iraniano diante dos protestos, torna claro o papel de importância que assumem os atores sociais, à medida em que o engajamento desses indivíduos em prol de uma causa, pode levar a profundas transformações na realidade social do país. Não obstante, evidencia-se também a necessidade de apoio internacional tanto de organizações quanto de indivíduos que se mobilizem em suporte aos direitos das mulheres iranianas.
Diante dos intensos protestos, que contam com a participação das mulheres iranianas na linha de frente, pode-se inferir que existe um desejo por mudanças fundamentais, no que diz respeito aos direitos das mulheres no Irã. Nesse sentido, a pesquisadora sênior do Human Rights Watch sobre os direitos das mulheres, Rothna Begum, pontua que:
“As meninas e mulheres iranianas estão protestando contra regras discriminatórias e pedindo por uma mudança total para que elas alcancem seus direitos e liberdades fundamentais. As autoridades iranianas - e o mundo - devem ouvi-las.” (BEGUM, 2022)
O endurecimento das regras sobre o uso do hijab no Irã
O governo iraniano, após os protestos encadeados pela morte de Mahsa Amini, anunciaram o endurecimento das regras do uso do véu islâmico pelas mulheres iranianas (APÓS PROTESTOS..., 2023). Nesse sentido, as autoridades do país pretendem aplicar multas às mulheres que não respeitarem as regras, bem como desejam implementar mecanismos que impeçam a saída dessas mulheres do Irã e até mesmo proibi-las de exercerem determinadas profissões (APÓS PROTESTOS..., 2023).
Ademais, busca-se ainda, dentre essas medidas restritivas, privar o acesso a serviços públicos e até mesmo a apreensão de veículos em que haja mulheres sem o hijab (APÓS PROTESTOS..., 2023). As regras também se tornaram mais rígidas para aqueles que supostamente incitam as mulheres a desrespeitarem o uso do hijab, haja visto que foram anunciadas a aplicação de penas que variam de um a dez anos de reclusão para esses casos (APÓS PROTESTOS..., 2023).
Desse modo, faz-se possível inferir dessa conjuntura, que há uma forte repressão do governo iraniano às manifestações e que essas medidas tendem, pelo cenário, a serem cada vez mais enrijecidas. Além disso, tendo em vista as medidas recentes implementadas pelas autoridades do país, pode-se notar que elas restringem ainda mais a liberdade das mulheres iranianas.
No entanto, é de salutar relevância notar a resistência do povo iraniano em se submeter às políticas repressivas implementadas pelo governo do Irã. Nesse sentido, é possível inferir que tanto às ideias quanto às práticas desses indivíduos são capazes de moldar o futuro desse país, na medida em que, apesar dos constantes atos de repressão por parte do governo iraniano, as mulheres continuam se manifestando contra leis e políticas discriminatórias, de forma a terem conquistado algumas reformas ao longo dos anos (BEGUM, 2022).
Considerações finais
Tendo-se em vista os acontecimentos no Irã após a morte de Mahsa Amini, salienta-se uma onda de protestos no país que se impõem como um movimento de contestação que tem diversas implicações sociais (APÓS PROTESTOS..., 2023). Nesse contexto, faz-se possível notar também a implementação de um conjunto de medidas punitivas aos manifestantes que incluem desde a prisão até a aplicação da pena capital com julgamentos questionáveis quanto à sua condução.
Não obstante, ressalta-se ainda que há uma tendência de endurecimento das regras que restringem os direitos, sobretudo, das mulheres iranianas. Por conseguinte, pode-se concluir que se faz necessário uma resposta ainda mais coerente das organizações internacionais, principalmente, das Nações Unidas, a fim de que situações semelhantes não se repitam no país e nem mesmo nos demais Estados membros da organização. Por fim, é notória a importância do povo iraniano nessa conjuntura que tende a se prolongar, de maneira a acentuar, cada vez mais, o papel primordial desses sujeitos, como atores engajados na transformação da realidade social iraniana.
Referências Bibliográficas
BEGUM, Rothna. Iranian Women’s Demands for Freedom Must Be Heard. Human Rights Watch, nov. 2022. Disponível em: https://www.hrw.org/news/2022/11/16/iranian-womens-demands-freedom-must-be-heard. Acesso em: 03 fev. 2023.
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Economic and Social Council Adopts Controversial Draft Resolution to Remove Iran from Commission on Status of Women, Emphasizing Lack of Rights in Country. United Nations, dez. 2022. Disponível em: https://press.un.org/en/2022/ecosoc7109.doc.htm?_gl=1*164c8jj*_ga*MTg5NjA5ODY3MS4xNjczNjE2Mjc2*_ga_TK9BQL5X7Z*MTY3NTQyNjUwMC4xLjEuMTY3NTQyODI5Ni4wLjAuMA. Acesso em: 03 fev. 2023.
GHAZI, Siavosh. Após protestos e execuções, Irã anuncia novas punições contra mulheres que não usarem o véu islâmico. RFI, jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/01/11/apos-protestos-e-execucoes-ira-anuncia-novas-punicoes-contra-mulheres-que-nao-usarem-o-veu-islamico.ghtml. Acesso em: 14 jan. 2023.
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Iran executes 2 more men detained amid nationwide protests over the death of Mahsa Amini. Time, jan. 2023. Disponível em: https://time.com/6245416/iran-executes-two-men-protests/. Acesso em: 14 jan. 2023.
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ONU investiga violações de direitos humanos em protestos no Irã. Nações Unidas Brasil, nov. 2022. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/209263-onu-investiga-violacoes-de-direitos-humanos-em-protestos-no-ira. Acesso em: 14 jan. 2023.
Timeline: Events in Iran since Mahsa Amini's arrest and death in custody. Alarabiya News, dez. 2022. Disponível em: https://english.alarabiya.net/News/middle-east/2022/12/12/Timeline-Events-in-Iran-since-Mahsa-Amini-s-arrest-and-death-in-custody. Acesso em: 13 jan. 2023.
VASCONCELOS, Sueli. O Movimento Mahsa Amini: três meses depois. Estado de Minas, Minas Gerais, dez. 2022. Disponível em: https://www.em.com.br/app/colunistas/sueli-vasconcelos/2022/12/19/noticia-sueli-vasconcelos,1435041/o-movimento-mahsa-amini-tres-meses-depois.shtml. Acesso em: 13 jan. 2023.