por Mariana Nascimento
“AGRA exists to fulfill the vision that Africa can feed itself and the world, transforming agriculture from a solitary struggle to survive to a business that thrives”
(AGRA, 2022)
Instaurada no século 20, a Revolução Verde introduziu variedades de arroz e trigo no continente latino-americano e asiático, que expandiram drasticamente o rendimento das colheitas. Na mesma época, não foi possível implementar técnica semelhante na África-subsaariana graças aos desafios políticos e ecológicos específicos do local (BLAUSTEIN, 2008). Embora tenham suas próprias inovações relativas à produção de alimentos, um dos grandes problemas enfrentados por essa região é o rápido aumento populacional, que não é acompanhado pela expansão da agricultura.
Em uma tentativa de solucionar a adversidade, os governos africanos aumentaram os investimentos em desenvolvimento agrícola e cooperaram com doadores internacionais focados na implementação de uma Revolução Verde na África, que diminuiria a insegurança alimentar e aumentaria a renda dos pequenos agricultores. Porém, com seu “prazo final” determinado para 2020, a Revolução parece ter falhado.
Revolução Verde
"Revolução Verde" é o termo utilizado para designar os grandes avanços obtidos no melhoramento da genética de certas culturas de produção durante a década de 1960 que possibilitaram o aumento do rendimento de determinados grãos, especialmente trigo e arroz (BRIGGS, 2009). O aumento da produção foi possível graças ao uso de fertilizantes químicos, sementes geneticamente modificadas, agrotóxicos, fungicidas e herbicidas, além do emprego de ferramentas tecnológicas que permitiram que os mesmos terrenos produzissem muito mais.
Esse crescimento foi importantíssimo no fornecimento de alimentos para a população mundial, especialmente na América Latina e na Ásia. Porém, apesar do sucesso, a Revolução Verde chegou na África subsaariana sem o mesmo êxito, já que impactou mais a produção de trigo e arroz, e os principais produtos consumidos nesta região são: milho, sorgo, milheto e mandioca, que tiveram suas respectivas produtividades expandidas apenas de forma moderada. Além disso, as infraestruturas africanas não estavam suficientemente desenvolvidas para tais mudanças agrícolas, o que atrasou a chegada da Revolução.
A criação da AGRA
Em 2006, foi lançada oficialmente a Aliança para uma Revolução Verde para a África (AGRA). Financiada pela Fundação Bill e Melinda Gates e pela Fundação Rockefeller, o objetivo era, e ainda é, implementar “melhorias agronômicas [por exemplo, gestão do solo e da água] para aumentar o potencial de rendimento da fazenda” (TOENNIESSEN, 2006, apud BLAUSTEIN, 2008). A AGRA também propõe mudar as políticas e condições de mercado para a agricultura africana, por meio da inclusão de apoio a empresas de sementes novas, do melhoramento de centros nacionais de pesquisa agrícola, de um melhor acesso ao sistema de fertilizantes e afins (BLAUSTEIN, 2008).
Na época da criação da aliança foram estabelecidas duas metas, bastante ambiciosas, diga-se de passagem, para serem atingidas até 2020. A primeira delas era dobrar os rendimentos de trinta milhões de pequenos agricultores, e a segunda previa a redução da insegurança alimentar pela metade.
A aliança concentrou inicialmente seus esforços em 18 países, número que rapidamente foi reduzido para 11, sendo eles Burkina Faso, Mali, Gana, Nigéria, Etiópia, Tanzânia, Moçambique, Malawi, Ruanda, Quênia e Uganda. O seu principal trabalho consiste no desenvolvimento de sementes comerciais de alto rendimento, pensadas nas amplas variedades de solo, e no acesso aos fertilizantes inorgânicos pelos produtores. Além disso, a organização também concede entre 40 e 50 milhões de dólares por ano para os países apoiados. O governo também faz investimentos anuais no setor, provendo subsídios anuais de 1 bilhão de dólares, para que assim os agricultores tenham acesso aos fertilizantes.
A Revolução fracassada
São diversas as dificuldades da agricultura subsaariana, porém a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no seu relatório “Challenges for african agriculture” lançado em 2011 identificou três principais desafios: 1)Econômico: a região nos últimos anos passou por turbulências econômicas e políticas que diminuiram o ritmo do progresso econômico e social, prejudicando a qualidade de vida especialmente de populações rurais; 2)Ambiental: a região possui muitas especificidades como solos erosivos, dificuldade no controle da água por conta da mudança climática, fragilidade das paisagens após o desmatamento etc.; 3)Demográfico: A taxa de crescimento populacional é consistentemente alta (2,3%), uma taxa de fertilidade duas vezes superior à média mundial, além do fato de mais de 60% de sua população vivendo em áreas rurais, e embora o relatório tenha saído em 2011, ainda hoje os números permanecem os mesmos. E assim apresenta-se um grande desafio: como realizar um processo de crescimento econômico sustentável, que precisa ser extremamente rápido dado o aumento da população, possuindo uma base agrícola pouco competitiva, dentro de um ambiente econômico internacional repleto de concorrência (GENDREAU, 2011).
Para isso a AGRA promoveu variedades de culturas inteligentes e resistentes à seca que são realmente valorosas, investiram no fortalecimento de sistemas que impulsionam o acesso de insumos e mercados para as famílias agrícolas, engajaram políticas públicas e desenvolveram parcerias que visam criar um alinhamento mais forte entre diferentes atores dentro do cenário, além de diversos outros trabalhos, tudo isso assentada em um investimento bilionário.
Porém, a pesquisa da Tufts University, conduzida pelo professor Thimothy Wise, mostrou que apesar do fomento promovido pela AGRA por 15 anos e com gastos de aproximadamente 1 bilhão de dólares, pouco impacto foi sentido no continente. (WISE, 2021). A produção de alimentos básicos aumentou apenas 18% em 12 anos, taxa de crescimento muito semelhante à anterior à criação da aliança. De acordo com o relatório "O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo" (SOFI), produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2021, os níveis de pobreza no continente permaneceram altos, especialmente em áreas rurais. O número de pessoas gravemente desnutridas, ainda, aumentou em 31% no continente africano desde 2006, e a fome severa na África Subsaariana também cresceu cerca de 50% desde a fundação da aliança (FAO, 2021).
Os dados apresentados demonstram a fragilidade na proposta da Revolução Verde Africana, que previa que a entrega de sementes e fertilizantes nas mãos de pequenos agricultores promoveria o aumento dos seus rendimentos em 100% e proveria alimentos seguros para cultivo e compra. Porém, as seguintes falhas foram apontadas pela pesquisa supracitada: 1) Mesmo com subsídios, as sementes e fertilizantes adotados eram muito caros para que os rendimentos aumentassem de forma considerável; 2) Com rendimentos pequenos também não há muito para vender, afinal, a renda baixa mal cobre os custos dos insumos; 3) O incentivo à monocultura pode intensificar a insegurança alimentar, já que a diversidade da dieta fica prejudicada e a resiliência climática é reduzida; 4) Os rendimentos mais altos são temporários e tendem a reduzir com o tempo; 5) A fertilidade do solo fica prejudicada pela monocultura e os agricultores ficam dependentes de fertilizantes e; 6) Cria-se nos agricultores uma dependência dos subsídios, colocando eles em maiores riscos de endividamento (WISE, 2021).
As políticas da Revolução Verde sempre foram controversas entre as organizações de agricultura africanas. Houve o alerta de que essa era uma tecnologia ocidental que não se adaptaria aos solos, agricultores e sistemas alimentares da África, sem contar que os produtores do continente não foram consultados. As drásticas falhas da Primeira Revolução Verde, como abastecimento de água esgotado e contaminado com escoamento de produtos químicos, agricultores endividados por conta do alto valor dos insumos, priorização da monocultura e perda de diversidade nas dietas, foram ignoradas.
A AGRA alega que os impactos da organização não são refletidos em níveis nacionais porque o orçamento que eles recebem equivale a somente 1% do financiamento de desenvolvimento africano. Porém, é importante ressaltar que esse posicionamento é contraditório às próprias metas estabelecidas pela aliança em 2006 (WISE, 2021).
Conclusão
A pandemia de Covid-19 só tornou mais evidente o atraso no crescimento da produtividade da agricultura na África, embora seja necessário considerar a pandemia em si e as mudanças climáticas como causas imediatas no aumento do número de pessoas gravemente desnutridas em aproximadamente 25% de 2019 a 2020. É importante ressaltar que esse é um problema antigo que tenta ser solucionado a mais de 15 anos e parece estar longe de uma solução, afinal, além da criação e do trabalho da AGRA, são fornecidos anualmente 1 bilhão de dólares em subsídios na tentativa de baratear os insumos de altos preços (SÁBIO, 2020).
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Outros fatores, como as mudanças climáticas, os conflitos na África Central e no Sahel e a Guerra entre Rússia e Ucrânia, tornam a insegurança alimentar ainda mais forte no continente. E, mesmo com esses fatores, os chefes de Estados e de governo da União Africana comprometeram-se a eliminar a fome até 2025 por meio da intensificação da Revolução Verde.
A necessidade do aumento da produção de alimentos no continente africano é clara e confirmada pelos relatórios anuais de fome no mundo da ONU. Porém a Revolução Verde não foi e nem será a solução para esse problema. Os relatórios da AGRA, embora demonstrem melhorias nos números, também mostram que o desenvolvimento é muito inferior ao estabelecido pela aliança como meta.
Chegou o momento de seguir em frente e investir em uma agricultura mais sustentável, que é possível e já vem sendo testada pela FAO no Senegal desde 2015. (GÉRAND, 2022) É muito importante que os fertilizantes extremamente caros sejam deixados de lado, junto com os pesticidas e especialmente a monocultura, que a longo prazo torna as comunidades africanas cada vez mais dependentes, já que destrói a fertilidade do solo, a diversidade alimentar e o patrimônio genético dos sistemas alimentares africanos. A Aliança pela Soberania Alimentar na África (AFSA) fala a favor da agroecologia, com sistemas agrícolas mais diversificados, resilientes e produtivos, priorizando o uso de fertilizantes naturais, a saúde dos solos, a fixação biológica do nitrogênio e a reciclagem dos nutrientes, criando um caminho muito mais sustentável do que o seguido nos últimos anos. (GÉRAND, 2022)
Referências
AGRA. Who we are. Disponível em: https://agra.org/. Acesso em: 5 jul. 2022.
BLAUSTEIN, RICHARD J.. The Green Revolution Arrives in Africa. BioScience, Oxford Academic. Washigton, v. 58, n. 1, p. 8, dez./2008.
BRIGGS. Green Revolution em International Encyclopedia of Human Geography. KITCHEN, Rob and THRIFT, Nigel. 1 ed. Coventry, UK: Elsevier Science, 2009. p. XX-YY.
FAO, IFAD, UNICEF, WFP and WHO. 2021. The State of Food Security and Nutrition in the World 2021. Transforming food systems for food security, improved nutrition and affordable healthy diets for all. Rome, FAO.
GENDREAU, Francis. Challenges for African Agriculture em: DEVÈZE, Jean-Claude. African Agriculture in the Face of Multiple Challenges. Washington DC: Agence Française de Développement and the World Bank, 2011.
GÉRAND, Christelle. Um “cavalo de troia” para os grandes produtores da África? : Quando a Fundação Gates semeia a fome. Le Monde Diplomatic , São Paulo, v. 1, n. 179, p. 36-37, jun./2022. Disponível em: https://diplomatique.org.br/quando-a-fundacao-gates-semeia-a-fome/. Acesso em: 5 jul. 2022.
MUMBWA. Africa has plenty of land. Why is it so hard to make a living from it? The Economist. 28 abr. 2018 Disponível em: https://www.economist.com/middle-east-and-africa/2018/04/28/africa-has-plenty-of-land-why-is-it-so-hard-to-make-a-living-from-it. Acesso em: 9 jul. 2022.
WISE, Timothy. Africa’s green revolution initiative has faltered: why other ways must be found. The Conversation. Disponível em: https://theconversation.com/africas-green-revolution-initiative-has-faltered-why-other-ways-must-be-found-167624. Acesso em: 5 jul. 2022.