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PET-REL

por Natália Gráss 

Devido ao recente golpe de Estado em 2022, Burkina Faso, país da África Ocidental, enfrenta mais um desafio em sua política interna e agravo ao bem-estar de seus cidadãos. Essa análise tem como objetivo apontar os fatores que têm feito burquinenses deslocarem-se interna e internacionalmente. Para além da recente deposição do presidente por um militar, também é fundamental o conhecimento dos outros fatores que coagem e levam a que, na maioria das vezes, muitos deixem as suas casas a fim de sobreviver. 

 

Quais são as principais ameaças ao povo ? 

 

O grupo que instaurou o golpe contra o então presidente Roch Kabore (People 's Movement for Progress), é conhecido como Movimento Patriótico pela Salvaguarda e Restauração (MPSR). O líder do grupo, que é oficial do exército, Paul-Henri Sandaogo Damiba, tornou-se presidente (NARANJO, 2022). Apesar de não ser o primeiro golpe ocorrido na região, este carrega consigo um fator de multiplicidade de causas difícil de ser solucionado. Um dos diversos golpes que vem acontecendo nessa região do Sahel tem apresentado o mesmo padrão, assim como o ocorrido no Mali. Uma questão tanto política, quanto religiosa, tem sido a intervenção de um grupo extremista na região, os Jihadistas, que têm realizado muitos ataques contra grupos católicos protestantes. 

 

A opressão irradia ainda para as escolas, em que há uma forte presença da necessidade de propagar o pensamento do grupo. Além disso, houve o fechamento de muitas escolas, deixando as crianças sem terem onde estudar e o fechamento de igrejas católicas, dado o medo de retaliação pelos Jihadistas (NARANJO, 2022). O alvo do grupo extremista também concentra-se nas forças armadas de Burkina (OCHIENG, 2022). Apoiados em um discurso anti-ocidental, reverberam verdadeira repugnância à presença de tropas francesas na região. Embora a França já tenha iniciado a retirada de tropas em países vizinhos, como o Mali (MALIANOS…, 2022). Outro fator que “auxilia” a expansão desses grupos através dos países é a porosidade existente entre as fronteiras do Sahel Central, formados por Burkina Faso, Mali e Níger. 

O golpe militar, no entanto, teve certa participação e aclamação da sociedade civil e das forças de segurança, dada a insatisfação popular pela maneira com que o governo anteriorlidava com o grupo de militantes ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. A vulnerabilidade social abriu espaço aos ataques e aos recrutamentos de um número cada vez maior de participantes nos grupos extremistas. As falhas no apoio humanitário e da presença do Estado também foram decisórias na potencialização das ações do grupo. Além disso, a participação política foi inviabilizada a partir da presença e da pressão impostas pelos Jihadistas nas comunidades locais. 

 

Um olhar humanitário sobre o deslocamento 

 

O deslocamento interno, ocorrido em Burkina Faso é, sem dúvidas, multicausal. Um dos maiores motivos desse deslocamento é a presença do grupo extremista islamista. Esse grupo, vem causando um verdadeiro terror na sociedade civil e abalando as forças de segurança. Embora menos presente na agenda do Direito Internacional, o deslocamento interno é um tema muito importante a ser aplicado, uma vez que sua ação é mais forte nos grupos minoritários. O deslocamento interno no país aumentou mais de dez vezes de 2018 a 2020 (IDMC, 2021). Esse fenômeno tem trazido uma maior instabilidade política e estimula uma realidade social ainda mais complicada. 

 

A crise regional é baseada em diversos fatores, entre os quais, a desigualdade, a pobreza e a insurgência de grupos extremistas são os principais. Além disso, a degradação ambiental e a variabilidade climática levam ao aumento do risco de deslocamento e vulnerabilidade. O senso de marginalização trazido com o grupo de extremistas também traz consigo um sentido de pertencimento a muitos jovens locais, dessa forma, há uma expansão do poder do grupo na região. Muitos desses grupos estão presentes desde a crise que ocorreu em 2012, prometendo à população marginalizada apoio, proteção e reafirmando a responsabilidade estatal perante os problemas sociais. 

 

A maior parte da sociedade vive em áreas rurais e depende da agricultura e pastoralismo para a subsistência. De acordo com o relatório do Centro Internacional de monitoramento do deslocamento interno, cerca de 3.3 milhões de pessoas enfrentavam a fome e insegurança alimentar em 2020 (IDMC, 2021). O fenômeno do deslocamento, além de separar mães e filhos, também separa comunidades. Para além da problemática social, Burkina tem enfrentado fortes mudanças climáticas, a exemplo das inundações em abril de 2020, causadas pelas chuvas acima da média, que tiveram, por consequência, a destruição de mais de 3.000 residências e ocasionaram aproximadamente 20.000 novos deslocados (IDMC, 2021). Essa situação, como foi abordada pelo relatório do IDMC, traz ainda a preocupação com os abrigos que foram criados para proteger os deslocados.

 

Enquanto o conflito não tem um fim, é urgente a necessidade da tomada de atitudes que minimizem o impacto nas regiões mais afetadas. Dessa forma, inclui-se a guarnição de serviços sociais destinados à comunidades rurais e apontamento de quais são os problemas regionais que necessitam de mais urgência na resolução. Esses esforços, por sua vez, são apoiados pela estratégia integrada da região do Sahel, das Nações Unidas. É indispensável ainda uma aproximação que inclua diálogo político, e estabilidade na segurança sempre que necessário. 

 

A definição de deslocamento interno 

 

O deslocamento interno pode ser compreendido, quando um indivíduo ou grupo realiza uma locomoção no território de sua residência habitual. Essa migração, pode ou não receber um amparo de seu Estado de residência, uma vez que depende das leis do país de origem ou residência. De forma geral, essas pessoas deslocam-se devido ao fato de sofrerem perseguições, viverem em áreas de conflito, terem seus direitos violados, por ocasião de desastres naturais ou ainda por motivações diversas. Dos Princípios Relativos aos Deslocados Internos, ressalta-se a dificuldade encontrada na política doméstica dos países em questão para reconhecer e proteger os deslocados internos (ACNUR, 1998). Além disso, o Direito Internacional não possui incumbências totais de proteção dos deslocados, pois a responsabilidade primária e principal é do Estado onde estão ( OLIVEIRA, 2004) 

 

Há uma diferença ainda, na definição pertencentes à temática das atividades laborais, pois os deslocados internos não se enquadram na mesma definição que dos migrantes regionais ou dos retirantes (OLIVEIRA, 2004). Divergindo da conceituação de refugiado e sua criação de estatutos, os deslocados não possuem um status legal que os configure de tal forma, essa flexibilização conceitual é de extrema relevância para a proteção jurídica desses indivíduos. Ainda que a proteção dos deslocados encontre dificuldades normativas internacionais, é possível o amparo legal a partir do Direito Internacional Humanitário que assegura, por exemplo, o direito a receber algum tipo de assistência humanitária. 

 

O deslocamento interno ainda é pouco tratado, no entanto, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) trabalha pela proteção jurídica de maneiras de prevenir o deslocamento, e protegendo aqueles que já se deslocaram. O artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PCP) afirma ainda que é um direito das pessoas em condição de liberdade deslocarem-se em seu território e escolherem seu local de residência. Uma norma adicional que visa proteger os deslocados internos é o artigo 11 do do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) discutida na Assembléia Geral das Nações Unidas, e tem como principal função proibir a deslocação forçada de pessoas e culpabilizar as lacunas das ações estatais. 

 

O longo período de conflitos pode ser considerado como um agravante à quantidade de deslocados e refugiados. Ainda que esses conflitos e ameaças ocorram de maneira regional é necessário algum tipo de ação do governo para auxiliar seus cidadãos. A falta de atos normativos e de auxílio também dificulta em muito o retorno dos deslocados ao seu local de origem ou de habitação, visto que após a resolução das ameaças que anteriormente existiam surge a necessidade de buscar acolhimento e proteção para fazê-lo de maneira segura. Embora a Declaração de San José sobre Refugiados e Deslocados Internos (1994) seja importante na materialização de direitos dos deslocados internos e base para a responsabilização de estados e Organismos Internacionais, é fundamental a implementação normativas já existentes e da Convenção de Kampala é especificamente voltado para os países africanos e sua realidade.

 

Devido a essa necessidade, criou-se a Convenção da União Africana para a Proteção e a Assistência de Deslocados Internos na África. Também conhecida como Convenção de Kampala (2009), esse é o primeiro tratado internacional com o foco de proteger e dar assistência às pessoas consideradas internamente deslocadas, em todo o continente africano. O documento vinculante entrou em vigor em dezembro de 2012, e determina aos países signatários o encargo de proteger seus cidadãos na ocorrência de desastres naturais, na insurgência de conflitos armados e em outras ações praticadas por humanos (CICV…, 2012). É válido ressaltar que a existência de vulnerabilidade , resultante de conflitos e desastres naturais intensifica os danos de deslocamento na região do Sahel, sendo que seis em cada dez deslocados no Sahel são burquineses (DÉCADA…, 2022). 

 

Considerações finais 

 

A partir da análise da situação do conflito existente em Burkina Faso é possível concluir como a falta de políticas humanitárias do país têm afetado a vida de muitos de seus cidadãos. Além disso, o aumento da insegurança alimentar, supressão de liberdades individuais e constantes conflitos armados são fatores que inviabilizam uma qualidade de vida mínima. A desigualdade e violência vivenciadas, priva muitas crianças e jovens do acesso à educação que poderá ser sentida como um grave problema futuro. 

 

O infortúnio advindo da falta de liberdade pode ser percebido como a supressão de Direitos Humanos fundamentais. Dessa forma, conclui-se que a ação de Organismos Internacionais, Organizações não Governamentais e do próprio governo de Burkina é fundamental para o fim desse deslocamento massivo. Pois, assim será possível um retorno seguro a seus locais de origem, em um momento que não haverem mais ameaças ou ataques dos grupos armados na região. A mitigação do conflito deve acompanhar, sobretudo, o estabelecimento de moradias e proteção das forças armadas, para que se assegure os direitos que qualquer ser humano deve possuir.

 

Referências bibliográficas 

ACNUR. Climate change, natural disasters and human displacement: a UNHCR perspective. Setembro/Outubro, 2008. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2022. 

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ACNUR. Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos. 1998. Disponível em: Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos (acnur.org). Acesso em: 03 mar. 2022. 

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NARANJO, José.Militares de Burkina Faso se amotinan para exigir más medios contra el yihadismo. El país, Dakar, 23 jan, 2022. Disponível em: Militares de Burkina Faso se amotinan para exigir más medios contra el yihadismo | Internacional | EL PAÍS (elpais.com). Acesso em: 17 mar. 2022. 

NOGUEIRA, Maria Beatriz Bonna. A proteção dos deslocados internos na sociedade internacional: evolução conceitual e normativa. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, volume especial, n. 32. 2014. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2022.

OCHIENG, Beverly. O que Al-Qaeda e Estado Islâmico têm a ver com o golpe em Burkina Faso, BBC, 26 jan. 2022. Disponível em: 

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OLIVEIRA. Eduardo Cançado. A proteção jurídica internacional dos deslocados internos. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r26330.pdf Acesso em: 16 mar. 2022. 

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