por Ester Deise
É perceptível que a pandemia do coronavírus em 2020 não foi o único desastre que nos aconteceu recentemente – que por sua vez, seu surgimento e de algumas outras zoonoses também têm relação com as interferências humanas no meio ambiente (MARTINELLY, 2021). O último ano também foi de recorde de temperaturas, e se observou diversas desordens nos ecossistemas gerados por agentes como o aquecimento global: secas, enchentes, tempestades, incêndios e pragas de gafanhotos (À MEDIDA..., 2021).
Concomitante a isso, o número de refugiados ambientais, aqueles que são forçados a deixar seus territórios por conta de desastres climáticos, é alto e a tendência é crescente. Segundo relatório do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (ICMD), pelo menos 7 milhões de pessoas estavam em situação de refugiados internos em 104 países e territórios, por conta de desastres ecológicos no último dia de 2020. Afeganistão, Índia e Paquistão foram as localidades com maiores números. Aproximadamente, 250 mil pessoas no Japão, México e Indonésia ainda vivem em deslocamento por anos, ou até mesmo décadas, após desastres (ICMD, 2021).
Hoje, mesmo se a humanidade conseguisse reduzir a zero as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no ambiente, ainda seria previsto um aumento da temperatura global e do nível do mar por efeito inercial (RANDERS; GOLUKE, 2020). Dessa forma, é visível que ações devem ser tomadas imediatamente para a possibilidade de um futuro em nosso planeta. Em vista disso, esta análise propõe expor alguns dados sobre a problemática do aquecimento global e a gravidade da situação atual, e a solução apresentada pela UN Environment Programme, que foca na adaptabilidade do nosso estilo de vida às demandas ambientais.
A perpetuidade de nossas ações no agravamento do aquecimento global
Uma pesquisa publicada na revista científica Scientifics Reports simulou o que aconteceria se a humanidade conseguisse cortar completamente suas emissões de gás carbônico na atmosfera ainda em 2020, ano em que foi publicada. O estudo mostrou que passamos do ponto de não-retorno para o aquecimento global por volta de 1960, quando o aquecimento global ainda estava por volta de +0,5 ºC em relação à era pré-industrial. Ou seja, todo carbono que deixarmos de emitir agora não irá parar o aquecimento global que se iniciou na era industrial do séc XVII, e a solução apresentada pelo principal autor da pesquisa, Jorgen Randers, seria, literalmente, sugar o carbono presente na atmosfera (RANDERS; GOLUKE, 2020). O autor aponta que o fenômeno do aquecimento global é causada por três fatores físicos: (1) derretimento das calotas polares, que por sua vez, diminui o coeficiente de reflexão dos raios solares da Terra, sendo estes absorvidos pelos oceanos, aumentando a temperatura da água e da atmosfera; (2) aumento do vapor de água na atmosfera, causada pela elevação da temperatura; e (3) mudanças na concentração de GEE na atmosfera.
Randers e Goluke (2020) apresentam em sua pesquisa os resultados do comparativo entre dois cenários: o primeiro simula as emissões de GEE pelo homem zeradas em 2020, e o segundo, as emissões de GEE zeradas no ano de 2100. O resultado é que, nos dois cenários, a temperatura global continua subindo por centenas de anos até cerca de 3ºC em 2500, devido ao efeito inercial gerado pelo derretimento das calotas polares, que aumenta o nível dos oceanos e da temperatura atmosférica. Pode parecer pouco e um tempo muito distante, mas essa variação de temperatura irá, decerto, extinguir milhares de espécies da fauna e da flora, principalmente aquática; além de causar efeitos desastrosos no ciclo da água, o agravamento exponencial dos fenômenos naturais, o que nos impactaria diretamente, ou indiretamente na produção de alimentos e fornecimento de água, por exemplo. Fenômenos como enchentes, tornados, secas e incêndios naturais (aqueles que não são provocados pela ação humana) acontecem naturalmente, ou seja, não são causados exclusivamente pelo fenômeno do aquecimento global provocados pelo homem. Porém, o que se observa é que o fenômeno agrava e aumenta a ocorrência dos casos. Alguns exemplos de eventos extremos que aconteceram este ano somente no Brasil foram a cheia histórica no Acre, que atingiu mais de 130 mil pessoas, e as chuvas de junho, que fizeram o Rio Negro ter a maior cheia em 119 anos (SE..., 2021).
Adaptabilidade às mudanças climáticas
Segundo estudo publicado na revista Trends in Ecology & Evolution, animais de sangue quente estão apresentando mudanças em seus corpos que remetem a uma adaptação ao aumento da temperatura climática. Os animais estudados estão, desde 1871, apresentando aumento nos bicos, pernas e orelhas, e redução de seus corpos para que lhes permita melhor regulagem de temperatura corporal para se adaptar ao aumento da temperatura terrestre dos últimos séculos (ANIMAIS..., 2021). Essa adaptação pode parecer positiva para estes animais que conseguem sobreviver melhor ao habitat, porém, não se deve ignorar o alarmante resultado do estudo, que indica a amplitude dos impactos causados pelos humanos no meio ambiente e no agravamento do efeito estufa, projetando essas complicações na fauna. Em vista disso e da pesquisa apresentada, a conjuntura atual nos instiga a fazer as seguintes indagações – e que não necessariamente terão uma resposta nesta análise: até quando os animais poderão se adaptar às variações climáticas? A causa dessas modificações deveria mesmo estar acontecendo? O que podemos aprender com esses animais em questão de resiliência? O que falta para a humanidade finalmente adotar medidas assertivas para combater a problemática do clima diante dos fatos?
Para o UN Environment Programme, a palavra de ordem é: adaptação. As nações devem intensificar ações de adaptação à nova realidade climática urgentemente ou enfrentar sérios custos, danos e perdas (À MEDIDA..., 2021). A "adaptação" proposta pelo Adaptation Gap Report 2020 é o processo pelo qual os níveis de risco são reduzidos em qualquer nível de temperatura dado; em vista do agravamento das mudanças climáticas, os esforços e recursos requeridos para evitar or limitar os impactos resultantes continuam a aumentar, e há também, um "risco residual", no qual alguns níveis de danos não podem mais ser evitados (UNITED NATIONS..., 2020). O relatório traz o ponto focal voltado às soluções fundamentadas na preservação da natureza, com ações locais apropriadas para os desafios sociais e econômicos enfrentados pelo território: garantia de bem-estar humano, proteção ao meio ambiente, manejo sustentável da terra e restauração dos ecossistemas. Um dos desafios encontrados na promoção da adaptabilidade é o financiamento e a implementação de ações sólidas de adaptabilidade, especialmente nos países em desenvolvimento (UNITED NATIONS..., 2020).
A implementação de adaptações baseadas na natureza (nature-based solutions) é crescente. Houve crescimento não apenas no número de projetos, mas também no seu tamanho, porém, artigos científicos mostram que a maioria ainda está em estágio inicial de implementação, e que apenas 3% estão aptos para apresentar reduções concretas nos riscos climáticos. Dessa forma, a necessidade de apresentação de mais evidências sobre os resultados de projetos e iniciativas ao redor do mundo se torna urgente, mas é ainda mais necessário a adesão de toda a comunidade global na conscientização ambiental e na adoção de políticas fortes de adaptabilidade aos riscos climáticos (IMPLEMENTATION...,2021).
Considerações finais
Em vista disso, é importante refletir em qual situação nós mesmos nos colocamos quando optamos por continuar a ter uma relação agressiva com o meio ambiente, mesmo após os alertas emitidos por diversos cientistas. O estudo apresentado por Randers e Goluke (2020) pode parecer desesperador e trazer uma grande desesperança, porém, deve ser vista como um grande botão vermelho de alerta. O estudo mostra que a simples redução da emissão de carbono, que é o objetivo de muitas políticas ambientais internacionais, como, por exemplo, os polêmicos créditos de carbono, não serão suficientes para garantir nossa vida na Terra. Como a pesquisa sugere, é necessário reduzir a quantidade de GEE na atmosfera, através de mudanças nas estruturas das cidades, produção de alimentos e modo de vida. Com certeza, um modo eficaz e simples de capturar CO2 da atmosfera seria o aumento da quantidade e a preservação da flora disponível, especialmente a marinha.
Assim, mesmo que a possibilidade de revertermos a situação atual do meio ambiente seja baixíssima, compete a todos nós minimizarmos o máximo possível do impacto que causamos no planeta, e tornar sustentável a nossa vida e a das próximas gerações no Planeta Azul.
Referências
À MEDIDA que a mudança climática se intensifica, o mundo precisa aumentar os esforços para se adaptar. UN Environment Programme, 2021. Disponível em: https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/medida-que-mudanca-climatica-se-intensifica-o-mundo-precisa. Acesso em: 8 set. 2021.
ANIMAIS estão 'mudando de forma'em resposta às mudanças climáticas. CNN BRASIL, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/animais-estao-mudando-de-forma-em-resposta-as-mudancas-climaticas/. Acesso em: 9 set. 2021.
IMPLEMENTATION in nature-based solutions. UN Environment Programe, 2021. Disponível em: https://www.unep.org/news-and-stories/story/implementation-nature-based-solutions. Acesso em: 11 set. 2021.
INTERNAL DISPLACEMENT MONITORING CENTER. Global Report Internal Displacement 2021: Internal displacement in a changing climate. Geneva, Suíça, 2021.
MARTINELLI, Yara. Perigos das zoonoses: crise climática, destruição do meio-ambiente e saúde humana. Revista PETREL. v.3, n.5, p.77-88, maio de 2021.
RANDERS, J.; GOLUKE, U. An earth system model shows self-sustained thawing of permafrost even if all man-made GHG emissions stop in 2020. Scientifics Reports v. 10, nov. de 2020. https://doi.org/10.1038/s41598-020-75481-z
SE o planeta está esquentando, por que faz tanto frio no Brasil? Greenpeace Brasil, 2021, Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/se-o-planeta-esta-esquentando-por-que-faz-tanto-frio-no-brasil/. Acesso em: 10 set. 2021.
UNITED NATIONS Environment Programme. Adaptation Gap Report 2020. Nairobi, 2020.