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Análise Quinzenal
PET-REL

por Bruna Maciel

 

As insatisfações em Cuba parecem ter atingido um novo pico no domingo, 11 de julho, com milhares de pessoas se reunindo em protestos contra o governo do país. Segundo depoimentos de jornalistas locais, vídeos e imagens difundidas nas redes sociais, manifestantes saíram às ruas da ilha ao som de gritos de “liberdade, liberdade” e “abaixo a ditadura” (VICENT, 2021a). São as maiores manifestações no país desde os anos 90, quando os protestos que ficaram conhecidos como maleconazos sacudiram Havana.

 

Os protestos tiveram início com uma pequena manifestação na cidade de San Antonio de los Baños, a sudoeste da capital. Residentes locais saíram às ruas para protestar contra os longos apagões de eletricidade, além de pedirem por vacinas contra a COVID-19 para a população (VICENT, 2021a). A movimentação rapidamente ganhou diversas manifestações de apoio que se espalharam para 40 cidades do país (O QUE…, 2021).

 

A punição para críticos do governo é severa em Cuba e as manifestações demonstram que a crise no país atingiu um nível significativo (CUBA…, 2021). O país enfrenta crises econômicas, sanitárias e de abastecimento que foram agravadas ao longo dos últimos meses, principalmente diante dos impactos provocados pela pandemia da COVID-19 e pelo reforço, iniciado pelo governo de Donald Trump, das sanções impostas ao país pelo governo dos Estados Unidos.

 

“Se você somar a isso a falta de remédios, o desabastecimento absoluto, as filas de horas, os blecautes e as décadas de sucessivas crises, tudo sem esperanças de que a coisa melhore, aí está a bomba,” afirmou o jovem cubano Ariel (VICENT, 2021b). Havia entre os cubanos a percepção de que as tensões com o governo estavam elevadas e, eventualmente, diante de tanto descontentamento, demonstrações aconteceriam – e, embora tenham sido contidas, as causas que as motivaram parecem estar longe de serem resolvidas. 

 

De onde estão vindo as insatisfações?

 

A situação econômica em Cuba está se deteriorando há meses. Os altos preços de produtos e serviços básicos, como alimentos e medicamentos, somados à dificuldade de acesso a esses recursos e à gestão governamental da pandemia contribuíram para o crescimento das insatisfações que levaram milhares de pessoas às ruas no 11 de julho .O reforço do embargo norte-americano à ilha começou a estrangular a economia desde o governo Donald Trump. O ex-presidente republicano suspendeu a aproximação iniciada por Barack Obama e instaurou mais de 240 novas sanções, as quais não foram suspensas por Joe Biden (BIDEN..., 2021).

 

Em 2020, o PIB de Cuba sofreu retração de 11%. O turismo, uma das principais áreas geradoras de riqueza no país e responsável direta ou indiretamente por cerca de 10% do PIB da ilha (POR…, 2021), foi fortemente afetado pelas restrições de movimentação advindas da pandemia (CUBA…, 2021). O desfalque no tráfego aéreo prejudica também as remessas em dólares recebidas pelas famílias de cubanos no exterior, principalmente nos EUA. Uma grande parcela de famílias cubanas, estimada em 65%, conta com essas remessas como auxílio para a renda mensal (POR…, 2021).

 

Além disso, o açúcar, produto largamente exportado e do qual a economia do país depende fortemente, teve sua colheita bastante reduzida em 2021 devido tanto a fatores naturais quanto à precariedade da maquinaria (CUBA…, 2021). Como resultado, a capacidade aquisitiva do governo é reduzida, dificultando a importação de produtos que poderiam reduzir a situação de escassez.

A situação sanitária também é fonte de descontentamento para os cubanos. No mesmo dia em que ocorreram as manifestações, o país registrou o recorde diário de infecções e mortes por COVID-19 até então, com 6.923 casos de um total de 238.491, além de 47 mortes em 24 horas (POR…, 2021). 

 

Repercussões

 

No dia das manifestações, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel realizou um pronunciamento televisionado, em que culpou os Estados Unidos e sua política de sanções pela piora da situação econômica, assim como atribuiu aos norte-americanos os incentivos aos protestos (VICENT, 2021a). Díaz-Canel chamou as sanções de uma “política de sufocamento econômico” (CUBA…, 2021). O embargo teve início na década de 1960 e atualmente sofre duras críticas da comunidade internacional, notadamente pela pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (AGNU), em que todos os anos, desde 1992, foi aprovada uma resolução contrária à política (BERMÚDEZ, 2021). A percepção sobre a extensão dos impactos do embargo sobre a economia opõe apoiadores e críticos do governo. Erika Guevara-Rosas, diretora da Anistia Internacional para as Américas, afirma que embora o embargo tenha um impacto econômico e social na ilha, o argumento de culpar estas sanções pelos problemas cubanos, como feito pelo presidente Díaz-Canel no dia 12 de julho, está "ultrapassado"  (BERMÚDEZ, 2021).

 

Em seu discurso, o presidente também convocou seus apoiadores para irem às ruas e combaterem os protestos e defenderem a revolução (CUBA…, 2021). Em seguida ao pronunciamento, foi transmitido um programa ao vivo com declarações de apoio à revolução e reiterando que os acontecimentos foram produto de uma subversão incentivada pelos Estados Unidos, a qual teria sido amplificada pelas redes sociais (VICENT, 2021a).

 

Os protestos levantaram uma série de respostas de lideranças internacionais, notadamente dos Estados Unidos, por conta das acusações. “O povo cubano está defendendo com bravura os direitos fundamentais e universais” [1], afirmou o presidente Joe Biden (CUBA…, 2021, tradução nossa). Biden, assim como o secretário de Estado, Antony Blinken, afirmou que atribuir a responsabilidade dos protestos aos Estados Unidos seria um grave erro do governo cubano (BIDEN…, 2021). No entanto, não houve indicação por parte do governo norte-americano de que o país alteraria sua política de embargo econômico a Cuba (BIDEN…, 2021). 

 

Outros países como México, Rússia e Argentina se manifestaram contrariamente à possibilidade de intervenções internacionais na ilha e em favor do fim do embargo econômico dos Estados Unidos (BIDEN…, 2021). O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, reafirmou o direito de protesto dos cubanos e apelou ao governo local que ouvisse as denúncias da população (BIDEN…, 2021).

 

As manifestações terminaram?

 

Uma semana após o fim das  manifestações, é reportada a forte presença de policiamento nas ruas em que estas ocorreram, incluindo no centro de Havana. Além disso, o acesso à internet na ilha continua instável. O dramaturgo cubano Yunior García entende que “podem conter a situação com a falta de informação, com o corte da internet, com a repressão policial, mas será por algum tempo. Se não houver mudanças reais concretas, estruturais, objetivas, não reformas cosméticas, as coisas em Cuba continuarão piorando” (VICENT, 2021a).

 

Ainda, aconteceram novas manifestações em apoio aos protestos cubanos em outras partes do mundo. No final de semana dos dias 17 e 18 de julho, manifestantes se reuniram em Miami e Washington D.C., nos Estados Unidos, para reivindicar ações do governo norte-americano contra o governo cubano, incluindo a aplicação de sanções políticas, diplomáticas e financeiras contra os membros do regime que estão coordenando a repressão aos manifestantes (PROTESTOS…, 2021).

 

No dia 17 de julho, o presidente Miguel Díaz-Canel participou de um comício ao lado do ex-presidente e aliado do regime Raúl Castro, em que proferiu que as manifestações que tomaram as ruas do país foram alvo de desinformação (O QUE…, 2021). Após o fim dos protestos no país, as autoridades anunciaram que seria permitida a importação de alimentos e medicamentos sem impostos por viajantes que cheguem ao país (VICENT, 2021b). No entanto, não se espera que essa medida seja suficiente para amenizar tamanho descontentamento, advindo de uma crise que avança em tantas frentes.

 

Para o futuro próximo, especialistas esperam que os líderes dos protestos sejam investigados e que as políticas sociais sejam leve e lentamente afrouxadas (PINEDA, 2021). Ainda preocupa a possibilidade da saída de residentes cubanos em uma migração em massa, como ocorreu no período das manifestações de 1994, com o êxodo de 34 mil pessoas (PINEDA, 2021). Enquanto os descontentamentos crescem, a tendência do governo Díaz-Canal ainda é a de “acalmar os ânimos”, no lugar de encarar as razões para a aflição da população. Ainda que a insurreição de 12 de julho não tenha sido suficiente para alterar a política do país de forma definitiva, o clima atual de Cuba não é de tranquilidade.

 

[1] “The Cuban people are bravely asserting fundamental and universal rights” (CUBA…, 2021).

 

 

Referências 

BERMÚDEZ, Ángel. Protestos em Cuba: quanto o embargo americano realmente afeta a Ilha?. BBC, [s. l.], 16 jul. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57862474. Acesso em: 22 jul. 2021

BIDEN pede que Cuba ‘escute população‘; México e Rússia alertam contra intervenção. O Globo, [s. l.], 22 jul. 2021. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/biden-pede-que-cuba-escute-populacao-mexico-russia-alertam-contra-intervencao-1-25103920. Acesso em: 22 jul. 2021.

CUBA protests: Thousands rally against government as economy struggles. BBC, [s. l.], 12 jul. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-latin-america-57799852. Acesso em: 22 jul. 2021.

CUBANOS saem às ruas sob gritos de “abaixo a ditadura”. BBC, [s. l.], 11 jul. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57800045. Acesso em: 22 jul. 2021.

‘O QUE o mundo está vendo de Cuba é uma mentira’, diz Díaz-Canel sobre protestos no país. G1, [s. l.], 17 jul. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/07/17/o-que-o-mundo-esta-vendo-de-cuba-e-uma-mentira-diz-diaz-canel-sobre-protestos-no-pais.ghtml. Acesso em: 22 jul. 2021.

PINEDA, Leticia. Pontos sobre os possíveis cenários em Cuba depois dos protestos. GaúchaZH, [s. l.], 19 jul. 2021. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/mundo/noticia/2021/07/pontos-sobre-os-possiveis-cenarios-em-cuba-depois-dos-protestos-ckrb9cvis002801hart2imfm7.html. Acesso em: 22 jul. 2021.

POR QUE Cuba explodiu nos maiores protestos em décadas na ilha? Folha de S. Paulo, [s. l.], 12 jul. 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/07/por-que-cuba-explodiu-nos-maiores-protestos-em-decadas-na-ilha.shtml. Acesso em: 22 jul. 2021.

PROTESTOS contra a ditadura em Cuba continuam, mesmo que fora da ilha. Gazeta do Povo, [s. l.], 19 jul. 2021. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/protestos-contra-a-ditadura-em-cuba-continuam-mesmo-que-fora-da-ilha/. Acesso em: 22 jul. 2021.

VICENT, Mauricio. Cuba vive maiores protestos contra o Governo desde os anos noventa. El País, Havana, 12 jul. 2021a. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-07-12/protesto-iniciado-em-dois-municipios-de-cuba-ameaca-com-acender-a-revolta-no-pais.html. Acesso em: 22 jul. 2021.

VICENT, Mauricio. O “alarido” que sacode Cuba. El País, Havana, 18 jul. 2021b. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-07-18/o-alarido-que-sacode-cuba.html. Acesso em: 22 jul. 2021.