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Análise de Conjuntura
PET-REL

por Nathália Mamede

 

O terceiro país em números absolutos de mortes por coronavírus desde o início da pandemia (WHO, 2021), o 67º em números de doses aplicadas a cada 100 habitantes (PRUDENCIANO, 2021), nova variante herdada da Copa América, classificado como zona vermelha por diversos países que já estão reabrindo suas fronteiras. O Brasil segue sofrendo as consequências de uma pandemia que já dura mais de 500 dias.

 

Segundo a Reuters, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) é o único entre os membros do G20 que afirma publicamente não ter se vacinado contra o novo coronavírus (MELO; PRUDENCIANO, 2021). Apesar disso, o presidente aparece publicamente sem máscara e incita dúvidas acerca da eficácia das vacinas, além de ainda insistir no chamado "tratamento precoce", ainda que o Ministério da Saúde tenha admitido há uma semana que os medicamentos que o presidente promove não possuem eficácia (AGOSTINI; VARGAS, 2021). Ainda, soma-se o cenário da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada em abril deste ano, com o objetivo de investigar as ações do governo federal durante o combate à pandemia. 

 

Considerando o apresentado, a presente análise visa a compreender uma parcela do cenário atual da pandemia de Covid-19 no país, a visão externa da CPI da Pandemia, como ficou conhecida, que pode ter colocado o Brasil em uma posição internacional ainda mais complexa. Será abordado como a deflagração de informações controversas acerca da aquisição de vacinas e do papel de civis nas decisões do governo, o que ficou conhecido como Gabinete Paralelo, podem ter impactado a mídia internacional nos últimos meses.

O apogeu da CPI da pandemia

 

A CPI da pandemia teve início no dia 27 de abril de 2021 e, de acordo com o Regimento Interno do Congresso Nacional, deveria ter a duração de 90 dias. A comissão, presidida pelo senador Omar Aziz (PSD/AM) e com relatoria de Renan Calheiros (MDB/AL), já recebeu em caráter de testemunha Antônio Barra, diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, o ex-chanceler Ernesto Araújo, os ex-ministros Nelson Teich, Eduardo Pazuello e Luiz Henrique Mandetta, além do atual ministro, Marcelo Queiroga.

 

Em junho de 2021, foi divulgada a lista dos investigados pela CPI a partir dos depoimentos prestados. Doze testemunhas passaram à condição de investigados, entre eles Queiroga, Pazuello e Araújo (CRUZ, 2021). Além disso, são investigadas personalidades que ganharam atenção da mídia, como a médica Nise Yamaguchi, defensora do "tratamento precoce" e suposta integrante do gabinete paralelo, e o empresário Carlos Wizard, que se negou a comparecer à oitiva.

 

As primeiras oitivas deixaram em evidência várias dificuldades da gestão federal, como também dos entes federativos. A crise de Manaus — crise de oxigênio que acometeu a capital amazonense em janeiro de 2021, a partir  do colapso do sistema estadual de saúde —   foi um dos primeiros tópicos que ganhou contornos mais acentuados na CPI, devido aos argumentos controversos dos depoentes. Ademais, a questão do uso de cloroquina e hidroxicloroquina foi abordada por diversas testemunhas, em especial Yamaguchi, convocada especialmente para tratar sobre a questão. No que diz respeito à aquisição de vacinas, a divulgação da quantidade de e-mails da farmacêutica Pfizer não respondidos pelo Poder Executivo também gerou reações por parte dos parlamentares.

 

Nos últimos dias, a Comissão Parlamentar deflagrou uma nova crise: o superfaturamento e a irregularidade em invoices — documentos fiscais das compras realizadas no exterior — da compra de vacinas. O tema ainda está em debate e não há conclusões sobre a questão, apesar da prisão preventiva pela polícia do Senado do depoente, o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, decorrente de um possível falso testemunho acerca da proposta de superfaturamento.

 

A CPI ainda pode revelar outros problemas de gestão referentes à compra de vacinas e à criação da Secretaria Especial de Enfrentamento à Covid-19, mas os atuais desdobramentos já demonstram impactos em setores políticos, econômicos e de relações exteriores. A comissão foi oficialmente prorrogada por mais 90 dias antes do recesso do Congresso, que começará na próxima semana, momento em que a comissão também estará suspensa (CPI DA..., 2021). A próxima oitiva ocorrerá no dia 03 de agosto e tende a ouvir testemunhas relevantes para as últimas descobertas e denúncias, além de apresentar novos documentos que podem ser analisados durante essa pausa.

 

A mídia internacional noticia a CPI

 

Os maiores noticiários internacionais transmitiram a dificuldade do governo Bolsonaro frente à crise do novo coronavírus, além de apontarem as irregularidades encontradas pela CPI da Covid como um dos fatores para a realização de protestos populares contrários ao governo, deflagrados nos últimos meses.

 

Segundo a BBC News, a "novela" de tragédia, em referência à comissão televisionada, apresentou principalmente a questão da falta de respostas à Pfizer após repetidas tentativas de contato com o país e à possível prevaricação — ato cometido quando algum funcionário público retarda ou não realiza uma ação em prol de um benefício pessoal —  de Bolsonaro em relação à compra de vacinas  Covaxin (GUERIN, 2021). O estadunidense New York Times apresentou como o "escândalo da vacina" de Bolsonaro, a partir das notícias da CPI em relação à empresa indiana (LONDOÑO; MILHORANCE, 2021).

 

A britânica Reuters também manteve o seu foco na questão do possível superfaturamento e do rompimento do contrato com a indiana após a exposição na CPI da Pandemia (BRITO, 2021). O tabloide ainda foi além: apontou as movimentações da Controladoria Geral da União (CGU) em relação às recentes descobertas e apontou o início da investigação do presidente Bolsonaro decorrente do contrato com a Bharat Biotech. Em consonância, o The Guardian apontou como desastrosa a administração de Bolsonaro, a partir das revelações da CPI. Assim como a BBC, o jornal deu relevância para o fato das sessões estarem sendo televisionadas (BRAZIL'S…, 2021).

 

O The Intercept, por sua vez, aliou as questões da pandemia com o aumento da fome e da pobreza no país, o que, juntamente com a Comissão Parlamentar, contribuiria para o aumento dos "inimigos políticos" do presidente (FISHMAN, 2021). O jornal The Economist deu enfoque nas questões da possível prevaricação do presidente, que teria se elegido com a promessa de acabar com a corrupção no Brasil, após as decisões da CPI da Pandemia, em contraste à postura anticorrupção adotada pelo presidente durante a campanha presidencial. Apesar do artigo considerar o impeachment como improvável, relata o aumento da pressão, até mesmo por antigos aliados do governo, considerando a possibilidade de mudanças no cenário político para as  eleições de 2022 (THE ECONOMIST…, 2021). O caso da CPI ainda é explicado pela Deutsche Welle e a Aljazeera.

 

Conclusão

 

Os jornais escolhidos para o levantamento de informações desta análise convergem para o aumento de notícias a partir do caso do possível superfaturamento de vacinas da Covaxin. Com isso, indicam a possibilidade de um escândalo de corrupção no governo Bolsonaro, conhecido por levantar a bandeira anticorrupção em sua campanha de 2018. Ainda, a mídia avalia os impactos que podem ser considerados relacionados à Comissão Parlamentar e conclui que o aumento de protestos contra o governo tem forte relação, principalmente pelo fato da CPI ser televisionada.

A recorrência na mídia internacional revela a importância que a comissão do Senado adquiriu, não apenas domesticamente. Ainda, ressalta a instabilidade do cenário político e sanitário brasileiro. Esse panorama, somado aos problemas já enfrentados antes da pandemia, pode gerar, a depender das revelações, ainda mais isolamento internacional nas próximas semanas e deve perdurar, no mínimo, até o final da CPI em meados de novembro.

 

Referências

 

AGOSTINI, Renata; VARGAS, Rachel. Em resposta à CPI, Saúde desaconselha cloroquina e "kit Covid". CNN Brasil, 14 de julho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/07/14/em-resposta-a-cpi-saude-desaconselha-cloroquina-e-kit-covid. Acesso em: 19 jul 2021.

 

BRAZIL'S inquiry into Covid disaster suggests Bolsonaro committed 'crimes against life'. The Guardian. Disponível em: https://www.theguardian.com/global-development/2021/jun/25/brazil-coronavirus-investigation-bolsonaro. Acesso em: 18 jul 2021. 

 

BRITO, Ricardo. Brazil top prosecutor to investigate Bolsonaro over COVID-19 vaccine deal. Reuters, 3 de julho de 2021. Disponível em: https://www.reuters.com/world/americas/brazil-prosecutor-general-asks-bolsonaro-investigation-over-vaccine-deal-2021-07-02/. Acesso em: 18 jul 2021.

 

CPI DA Pandemia é prorrogada por mais 90 dias. Agência Senado, 14 de julho de 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/14/cpi-da-pandemia-e-prorrogada-por-mais-90-dias. Acesso em: 18 jul 2021.

 

CRUZ, Valdo. CPI da Covid: 12 integram lista de testemunhas que passarão à condição de investigados. G1, 17 de junho de 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2021/06/17/cpi-da-covid-dez-integram-lista-de-testemunhas-que-passarao-a-condicao-de-investigados.ghtml. Acesso em: 18 jul 2021.

 

FISHMAN, Andrew. Brazil seeks to hold Bolsonaro accountable for more than 400,000 COVID-19 deaths. The Intercept, 1 de maio de 2021. Disponível em: https://theintercept.com/2021/05/01/covid-brazil-deaths-bolsonaro-investigation/. Acesso em: 18 jul 2021.

 

GUERIN, Orla. Covid-19 pandemic: 'Everything you should not do, Brazil has done'. BBC News, 9 de julho de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-latin-america-57733540. Acesso em: 18 jul 2021.

 

LONDOÑO, Ernesto; MILHORANCE, Flávia. Brazil Vaccine Scandal Imperils Bolsonaro as Protests Spread. The New York Times, 3 de julho de 2021. Disponível em: https://www.nytimes.com/2021/07/03/world/americas/brazil-bolsonaro-vaccine-scandal.html. Acesso em: 18 jul 2021.

 

MELO, Henrique; PRUDENCIANO, Gregory. Entre líderes do G20, Bolsonaro é o único que não se vacinou contra Covid-19. CNN Brasil, 13 de julho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/07/14/entre-lideres-do-g20-bolsonaro-e-o-unico-que-nao-se-vacinou-contra-a-covid-19. Acesso em: 18 jul 2021.

 

PRUDENCIANO, Gregory. Painel da Vacina: Brasil é o 67º país no ranking global e 4º no total de doses. CNN Brasil, 09 de julho de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/07/09/painel-da-vacina-brasil-e-o-67-pais-no-ranking-global-e-4-no-total-de-doses. Acesso em: 18 jul 2021.

 

THE ECONOMIST explains What does Brazil's vaccine scandal mean for Jair Bolsonaro? The Economist, 7 de julho de 2021. Disponível em: https://www.economist.com/the-economist-explains/2021/07/07/what-does-brazils-vaccine-scandal-mean-for-jair-bolsonaro. Acesso em: 18 jul 2021.


WORLD HEALTH ORGANIZATION [WHO]. WHO Coronavirus (COVID-19) Dashboard. Disponível em: https://covid19.who.int/. Acesso em: 18 jul 2021.