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Análise Quinzenal
PET-REL

por Ester Deise Santos

 

Os protestos nas ruas da Colômbia contra a reforma tributária já acontecem há 16 dias e as manifestações ganharam notoriedade internacional pela violência policial sofrida pelos manifestantes. No dia 12 de maio de 2021, os confrontos já registravam um total de 47 mortos e centenas feridos (COLOMBO, 2021). Dois dias antes, registrava-se também 168 pessoas desaparecidas nas manifestações (AUTORIDADES…,2021). A disparidade de forças empregadas nos conflitos entre militares e manifestantes abre margem para uma importante discussão: o limite da legitimidade do uso da violência por agentes de estado e a transgressão do direito fundamental à manifestação de opinião dos cidadãos. O objetivo deste ensaio é apresentar essa discussão utilizando o contexto das manifestações que estão ocorrendo na Colômbia desde o fim de abril.

 

O contexto das manifestações na Colômbia de maio de 2021 

 

Iniciada em 28 de abril deste ano, a onda de manifestações começou após a apresentação de um projeto impopular de reforma tributária. O acréscimo de impostos sobre a renda e produtos básicos, visando aumentar a arrecadação de tributos para evitar o crescimento da dívida colombiana foi o ponto mais impopular. O objetivo desse incremento seria evitar que a Colômbia perdesse mais pontos nas avaliações de risco de agências internacionais e torná-la mais atrativa para investimentos externos. Além disso, o projeto da reforma tributária canalizaria o excedente de impostos arrecadados na institucionalização da renda básica com objetivo de criar um fundo de conservação ambiental. O governo colombiano defendeu ainda a reforma como forma de arrecadar tributos para sustentar programas sociais que foram implementados emergencialmente durante a pandemia. A expectativa do governo era que fosse arrecadado o valor aproximado a 2% do PIB nacional (PARDO, 2021a). 

 

A pressão popular em cima do presidente Iván Duque já tem precedentes: em novembro de 2019, centenas de milhares de colombianos tomaram as ruas do país em greve no que foi chamado de "paro nacional", e sucessivas manifestações aconteceram até 2020. Nos atos, os manifestantes protestavam contra um pacote de medidas administrativas que impactam nas aposentadorias e salário mínimo que estaria sendo esboçada por membros do governo. Além disso, os colombianos exigiam mais investimentos na educação, proteção para indígenas e ativistas que foram alvo de uma onda de assassinatos em conflitos, entre outros. (O QUE…,2019). Porém, é inédito na história recente da Colômbia manifestações em proporções tão grandes quanto as que estão ocorrendo atualmente (PARDO, 2021b). O índice de aprovação de Duque, que está atualmente em 33% (COLOMBO, 2021), indica que o cenário atual não é nada favorável a uma possível candidatura à reeleição. Ainda, o presidente  encara o peso da rejeição entre a parcela da população mais ativa social e economicamente: os jovens. Uma pesquisa realizada pela Cifras y Conceptos aponta que 74% dos colombianos entre 18 e 25 anos têm uma imagem desfavorável de Duque (TORRADO, 2021a). Assim, as manifestações e a resposta brutal que está sendo observada, principalmente contra os jovens, que compõem a maioria dos manifestantes, acirram a tensão entre a população e o governo.

 

Repressão brutal às manifestações: o abuso do uso da força policial

 

O uso de violência policial como forma de repressão é recorrente na Colômbia e as mortes de manifestantes não são atípicas. No ano passado, a morte do advogado Jávier Ordóñez foi causada pelo uso excessivo da força policial em uma abordagem. O ocorrido levou a manifestações que terminaram em confrontos com a polícia, resultando em 10 jovens mortos, sendo 7 por disparos feitos por armas da polícia, e mais de 360 feridos (COLOMBO, 2020). Os protestos deste ano, que já contam com mais do dobro de vítimas em relação aos do ano passado, seguem uma série de abusos de violência praticados por agentes do Estado e de forma escalonar: a medida que aumenta a insatisfação com a ação da polícia, intensificam-se as revoltas populares, e por conseguinte, as represálias policiais. Apesar do projeto de reforma tributária já ter sido suspenso e o governo já ter estabelecido diálogo com os grupos manifestantes, os colombianos ainda não saíram das ruas; eles protestam pelas vidas perdidas nos confrontos (PARDO, 2021a). 

 

A desproporcionalidade no uso da força de repressão é evidente  em fotos e vídeos que circulam em jornais de todo o país e do mundo. Organizações internacionais como a ONU e a Human Rights Watch condenaram os ocorridos (TORRADO, 2021b). Porém, a problemática se estenderá enquanto a origem não for atacada: a impunidade e as concepções por parte do governo de que os jovens em protesto são guerrilheiros a serem combatidos, e não apenas civis insatisfeitos.

 

Esses conflitos expõem uma lacuna de longa data na confiança da sociedade civil nas instituições de segurança nacional. Os manifestantes denunciam a  impunidade dos agentes de segurança colombianos ao cometerem crimes e os acusam de diversas violações, como estupro de menores, execução  de civis e caracterização de jovens como guerrilheiros; que utilizam como justificativa para repressões violentas (MIRANDA, 2021). Em contrapartida, os protestos são interpretados pelo governo da Colômbia como uma “ameaça terrorista”: o Ministro da Defesa, Diego Molano, acusou os dissidentes de guerrilhas colombianas de premeditar os atos de vandalismo nas manifestações. O ministro ainda caracterizou os manifestantes como "terroristas" e os acusou de terem "planos para assassinar nossos policiais", e utilizou como exemplo o assassinato do capitão Jesús Alberto Solano, morto durante um protesto quando tentava impedir o saque de uma loja. O Ministro salientou que as forças de segurança não serão retiradas das áreas ainda afetadas pelos atos de “vandalismo". (MIRANDA, 2021)

 

O limite entre a manutenção da ordem e o uso abusivo da força policial 

 

“Nos están matando” é uma das frases recorrentes nos cartazes das mobilizações que ocorreram na Colômbia. O termo 'massacre', que já era utilizado pelos manifestantes referindo-se a violência das forças de segurança colombianas, é aplicável diante da desproporcionalidade da força entre os civis e a polícia.

 

Nas  redes sociais, é possível ver diversas fotos e vídeos que flagram os episódios de brutalidade policial denunciadas pelos manifestantes. Marcelo tinha 17 anos quando foi morto a tiros no dia 28 de abril por um policial após empurrá-lo de uma motocicleta em Cali, cidade no oeste da Colômbia. Nicolás foi alvejado na cabeça também por um policial ao gravar cenas dos confrontos, na mesma cidade, no dia 2 de maio (TORRADO, 2021b). Esses exemplos mostram a disparidade no uso do poder de repressão e o excesso de força aplicada pela polícia nos conflitos, como a resposta desproporcional contra Marcelo por parte do policial, que devolveu um empurrão com disparos de arma de fogo. 

 

Não há termo melhor para descrever os acontecimentos na Colômbia que massacre. De um lado, policiais treinados para o confronto bélico, protegidos com escudos, coletes, capacetes e com o aparato legal do uso legítimo da força. Ainda, munidos com fuzis, armas, granadas de gás lacrimogêneo e cassetetes. Do outro lado, jovens, estudantes, às vezes menores de idade, protegidos apenas com lenços no rosto e, quando armados durante um confronto, com pedras. O reflexo desse desequilíbrio de poder é o número de mortes: 47 civis e 1 policial. A brutalidade empregada pelos policiais nesse cenário é desnecessária e imoderada, travestidas de manutenção da ordem, aproveitando-se do aparato legal do uso legítimo da força para garantir a impunidade.

 

Essa distinção entre a manutenção da ordem e o abuso da força policial deve estar sempre muito claro aos agentes de segurança, pois é esse limite que evita mortes durante o exercício do direito à manifestação. A extinção da impunidade de agentes de segurança do Estado em atos de força policial desproporcionais à situação, comprovada mediante investigação justa e imparcial, é o primeiro passo para a real conscientização dos agentes de segurança. O treinamento específico para lidar com civis desarmados é imprescindível, pois o treinamento recebido para o confronto armado nunca deveria ser utilizado em situações como as observadas. Portanto, o exército não deveria ser empregado para lidar com manifestações civis e a polícia não deveria estar munida com armas letais nessas situações. Ademais, o acompanhamento psicológico individual dos agentes são medidas internas nas corporações que devem ser intensificadas, com a finalidade de que mais jovens não tenham de perder a vida ao reivindicarem a garantia de direitos fundamentais a todos.

 

Referências 

 

AUTORIDADES da Colômbia buscam 168 pessoas desaparecidas nos protestos. Uol notícias, Bogotá, mai de 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2021/05/11/autoridades-da-colombia-buscam-168-pessoas-desaparecidas-nos-protestos.htm. Acesso em 13 mai. 2021 

COLOMBO, S. Epicentro dos protestos na Colômbia, Cali vê embates entre classe média e indígenas. Folha de S. Paulo, Buenos Aires, mai de 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/cali-epicentro-dos-protestos-na-colombia-ve-eclodir-embates-entre-classe-media-e-indigenas.shtml. Acesso em: 13 mai. 2021.  

COLOMBO, S. Protestos contra violência policial deixam 10 mortos e mais de 360 feridos na Colômbia.Folha de S. Paulo, Buenos Aires, set de 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/09/protestos-contra-violencia-policial-deixam-sete-mortos-e-mais-de-350-feridos-na-colombia.shtml. Acesso em: 08 mai. 2021.

ENCUESTA: sube la aprobación del Presidente Duque y caen varios alcaldes. El Tiempo, jan 2021. Disponível em: https://www.eltiempo.com/politica/partidos-politicos/como-esta-la-aprobacion-del-presidente-y-los-alcaldes-563204. Acesso em 08 mai. 2021.

MIRANDA, B. Protesto na Colômbia: 'É infame que matem jovens desarmados', diz pai de adolescente morto com tiro. BBC News, maio de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57021308. Acesso em: 7 mai. 2021 

O QUE MOVE OS PROTESTOS NA COLÔMBIA, MAIS UM PAÍS LATINO-AMERICANO EM ONDA DE MANIFESTAÇÕES. UOL Notícias, nov 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2019/11/23/o-que-move-os-protestos-na-colombia-mais-um-pais-latino-americano-em-onda-de-manifestacoes.htm. Acesso em: 13 mai. 2021

PARDO, D. Protestos na Colômbia: qual a razão dos confrontos que já deixaram 24 mortos. BBC News, maio de 2021a. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56982941. Acesso em: 7 mai. 2021 

PARDO, D. Protestos na Colômbia: como a violência tomou conta das ruas do país. BBC News , maio de 2021b. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56993155. Acesso em: 7 mai. 2021

TORRADO,S. Repressão a protestos na Colômbia sela divórcio de Duque com os jovens. El País, Bogotá/Cidade do México, maio de 2021a. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-05-06/repressao-a-protestos-sela-divorcio-de-duque-com-os-jovens.html. Acesso em: 08 mai. 2021.

TORRADO,S. As vozes da pior noite de repressão aos protestos na Colômbia: "Isto é uma caçada". El País, Bogotá/Cidade do México, maio de 2021b. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-05-05/as-vozes-da-pior-noite-de-repressao-aos-protestos-na-colombia-isto-e-uma-cacada.html. Acesso em: 08 mai. 2021.

VENEZUELA denuncia 'massacre' na Colômbia após mortes em manifestações. ISTO É, maio de 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/venezuela-denuncia-massacre-na-colombia-apos-mortes-em-manifestacoes/, Acesso em: 08 mai. 2021.