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Análise Quinzenal
PET-REL

por Nathalia Mamede

 

Cedendo à pressão de senadores e do conhecido "centrão", o presidente Jair Bolsonaro fez mudanças no quadro ministerial no último dia 29. Recebidas com surpresa, mudanças no Ministério da Defesa, cargo exercido até então pelo general Fernando Azevedo e Silva, tiveram repercussões intensas e reverberam na queda dos comandantes das três Forças Armadas no dia seguinte, fato inédito na história do país. Além da troca da pasta mais relevante no enfrentamento à covid-19, com a saída de Pazuello e nomeação de Marcelo Queiroga, o pedido de demissão do chanceler brasileiro, caracterizado dentro do que Arthur Lira (PP/AL) qualificou como "erro primário de gestão", pode ter surpreendido as e os brasileiros. 

 

Ernesto Araújo, conservador e negacionista convicto, pediu demissão lidando com uma intensa pressão por parte do Congresso Nacional e dos próprios integrantes do Itamaraty. Após uma semana conturbada com posicionamentos dos parlamentares contra sua performance e dos tweets destinados à senadora Kátia Abreu (PP/TO), seu isolamento se consolidou internamente.

 

Ainda, o ex-chanceler se manifestou nas suas redes sociais culpando os "interesses escusos" da pasta e "internacionais'' com a sua saída. Além do discurso negacionista, Araújo se distanciou de nações chave e de boa relação com o Brasil, além de desmoralizar o país frente às pautas ambientais e à aquisição de vacinas. Apesar das acusações, não faltam exemplos durante sua gestão de discursos, tweets e afrontas aos organismos internacionais e a outros países que se opõem tanto à ideologia olavista quanto à ideologia bolsonarista (SANCHES, 2021).

 

A política negacionista e isolacionista de Ernesto Araújo

 

Durante os pouco mais de dois anos no mandato, o ex-chanceler se retirou da liderança da pasta. Após modificar as diretrizes políticas brasileiras, desde alinhamento e reorientação política, com a aproximação dos Estados Unidos e Israel e o afastamento da cooperação Sul-Sul até a modificação de posicionamentos já consolidados da política externa brasileira, Araújo perdeu a simpatia dos políticos brasileiros e da própria instituição.


As guerras travadas pelo ministro foram de sucessivas derrotas. Ações como o constante ataque presidencial à China, em relação ao novo coronavírus, bem como a questão da Organização Mundial do Comércio (OMC) com o voto brasileiro contra a quebra de patentes da vacina, ato histórico de um país que possui um Sistema Único de Saúde (SUS) e que já havia quebrado outras patentes – como no caso do medicamento efavirenz para o tratamento de HIV/AIDS. Além disso, tem-se a demora para integrar o país no consórcio Covax Facility, adquirindo apenas a menor cota – em um país que ocupa o 6º lugar nos mais populosos do mundo.


A inação em relação à crise da covid-19 foi um dos principais fatores para sua queda, bem como para o ex-ministro Pazuello. As duas pastas vinham sendo empecilhos para a gestão da pandemia no país. Apesar disso, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) vinha carregado de ainda mais ideologias, conforme os fatos expostos acima. O chanceler foi convidado a prestar explicações no Senado sobre a gestão da pandemia e não conseguiu convencer as senadoras e os senadores. Com isso, as pressões apenas aumentaram e sua gestão se encontrava ainda mais atacada e isolada.

 

A batalha contra o clima e a China

 

No final do ano de 2019, já no cargo de chanceler e no auge das discussões sobre Fundo Amazônia e das discussões entre o presidente Bolsonaro e as potências europeias, Ernesto Araújo proferiu um discurso no Heritage Foundation. A fundação é um conhecido centro conservador, apoiado por organizações de cunho negacionista em relação às mudanças do clima (MARIN, 2019).


As falas de Ernesto Araújo, ao afirmar que a justiça social e as mudanças do clima são um pretexto para uma nova ditadura, colocam em evidência um posicionamento que, ao longo de 2020 e no curto período de 2021, ele tentou mascarar. Com a ascensão da nova Casa Branca, com Joe Biden, o discurso se modificou e Araújo caiu em contradição: realizou reuniões ao lado de Salles e John Kerry, enviado especial dos Estados Unidos para o Clima, a fim de discutir tratativas financeiras para o combate às mudanças do clima, tendo até feito um tweet sobre a ocasião (ERNESTO.., 2021).

Figura 1: Ernesto Araújo discursando no Heritage Foundation


Fonte: Eric Baradat/AFP

 
Ainda, o ex-ministro foi duramente criticado pelo afastamento e pelas frases controversas sobre o papel da China na política globalista, da qual afirma ter sido um combatente, e nos posicionamentos em que insinuou culpas para a crise do novo coronavírus. Com a dependência econômica do Brasil em relação à China, a bancada ruralista, o centrão e os senadores relacionados pressionaram Ernesto Araújo a um ponto de não retorno, em que o ex-chanceler admitiu se ver em uma situação ingovernável.

 

Os novos rumos do Itamaraty na voz do Chanceler Carlos Alberto França

 

Na manhã do dia 01 de abril, a Climainfo publicou um artigo sobre os problemas herdados pelo atual chanceler Carlos Alberto França. Ainda no meio da pandemia e sem previsões de melhores a curto prazo, o ministro herda o desconforto da União Europeia e dos Estados Unidos com os posicionamentos dados pela pasta sobre a política ambiental brasileira, além da reverberação dos discursos do presidente Jair Bolsonaro.


O comportamento do Itamaraty deverá ser reconstruído, de forma a minar os impactos negativos da última gestão. Com isso, percebe-se uma clara mudança – estratégica – de posicionamento logo no discurso de abertura do novo indicado. França afirma que entre os maiores problemas a serem enfrentados estão a crise climática, a qual dá o caráter de urgência denominando-a de crise, e a pandemia do novo coronavírus. Em outras palavras, o novo chanceler já conseguiu superar as expectativas colocadas sobre ele e deve seguir nessa linha de raciocínio para aumentar a viabilidade das ações do ministério e evitar um novo desconforto.


O futuro da diplomacia brasileira, apesar de não poder esperar profundas mudanças, ouviu novas diretrizes sobre uma política mais alinhada com as expectativas para a política externa brasileira ao longo dos anos. Além disso, houve menção à cooperação multilateral e regional, fatores que também haviam sido negligenciados pelo último chanceler. Contudo, é preciso se manter vigilante pois França já ocupou outros cargos na Presidência, sendo, portanto, alinhado à mesma ideologia.


Em tempo, no dia 10 de abril de 2021, Felipe Martins, chefe da Assessoria Internacional do presidente da República, deixa o cargo, o que suprime ainda mais a ala mais ideológica do governo bolsonarista. O assessor ainda deverá ser indiciado pelo Senado Federal por ter realizado um gesto supremacista na reunião de prestação de contas do ex-chanceler.

 

Referências

 

BRASIL. Chanceler Carlos Alberto França (2021). Discurso de Posse. Brasília, 06 abr. 2021. 

ERNESTO Araújo e Ricardo Salles discutem desmatamento com enviado de Biden para o clima. Folha de São Paulo, 17 fev 2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/02/ernesto-araujo-e-ricardo-salles-discutem-desmatamento-com-enviado-de-biden-para-o-clima.shtml. Acesso em: 09 abr 2021.

MARIN, Denise. Ernesto Araújo: ‘Justiça social e clima são pretextos para a ditadura’. Veja, 11 set 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/ernesto-araujo-justica-social-e-clima-sao-pretextos-para-a-ditadura/. Acesso em: 09 abr 2021.

O TAMANHO do abacaxi ambiental no colo do novo embaixador brasileiro. Climainfo, 01 abr 2021. Disponível em: https://climainfo.org.br/2021/03/31/o-tamanho-do-abacaxi-ambiental-no-colo-do-novo-embaixador-brasileiro/. Acesso em: 09 abr 2021.

SANCHES, Mariana. Demissão de Ernesto Araújo: fim de uma gestão sem precedentes na diplomacia brasileira. BBC Brasil, 29 mar 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56570801. Acesso em: 06 abr 2021.