por Jales Caur
Enquanto cresce, toda criança e adolescente escuta que deve-se escutar os mais velhos por esses serem sábios devido a sua tragetória mais longínqua em terra. Quando se cresce, percebe-se que nem toda pessoa de idade é sábia, e que dar ouvidos nem sempre é a melhor coisa a se fazer. O segundo cenário, felizmente, não é o encontrado por Frans Xaver Kappus, o destinatário das cartas que compõe a obra. Um dia, ao ser pego lendo um dos livros de Rainer Maria Rilke por um professor, acaba por descobrir que o autor frequentava aquela mesma Academia Militar localizada em algum lugar da atual Alemanha, e, ansiando pelo conhecimento do poeta, acaba por contactá-lo.
O compilado de cartas não forma um montante muito extenso de páginas. A versão em português, lançada até em edição de bolso, forma um livreto. A em inglês, praticamente uma cartilha. No entanto, o conhecimento passado de um poeta experiente para o jovem poeta Kappus não poderia ser escrito em maior quantidade de palavras. Desde questões como inspiração, sobre o que escrever, como lidar com a solidão que escritores criam ao redor de si para poderem escrever e até mesmo dos erros cometidos pelos jovens iniciantes na arte de escrever poesia.
Enquanto Rilke viaja através da Europa, relatando sua condição de saúde não muito favorável e a sua falta de recursos – algo sempre presente nas cartas ao jovem Kappus, como um alerta da vida não luxuosa que se levaria ao ganhar a vida escrevendo poemas -, ele alerta o jovem poeta sobre o amor, o principal erro. Ele dedica parágrafos para abordar sobre como os poetas noviços tendem a esgotarem da fonte fácil de inspiração que é o amor, escrevendo linhas sobre uma versão idealizada e imatura do sentimento, pois esse amor é descrito somente com o unir-se a alguém. Rilke escreve que “(...) o amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser (..)” (p. 65) e como “ (...) ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema (...)” (p. 65), e, por isso, jovens não podem amar: pois, a esses, é preciso aprender tal arte.
A solidão é um dos outros pontos abordados nas cartas. Rilke alerta o jovem Kappus acerca das concepções mundanas acerca da solidão como algo ruim. Esses trechos sobre solidão convidam o leitor – que, caso também escritor, sentirá suas palavras em dobro – a analisar sua própria vida, como uma jornada de auto-conhecimento em curtas páginas. Rilke compara a solidão ao amor: é bom por ser algo difícil. Ao pensar em solidão, tem-se uma perspectiva de algo ruim, associado sempre à tristeza, trazendo um aspecto mórbido à palavra. Solidão é a porta de entrada para o auto-conhecimento, e, no caso de Kappus, um jovem poeta, as portas para entender suas motivações, o que o leva a escrever, o que o leva a fazer arte.
O último ponto principal abordado nas cartas é o mais complexo para a mentalidade humana de processar e compreender: a tristeza. É claro que no começo do século XX o debate acerca da saúde mental não existia, a própria psicoterapia era uma ciência prematura, logo, coube a Rilke usar de suas experiências e ensinamentos para alertar o jovem Kappus acerca da forma como lidam com a tristeza como um mal a ser evitado a todas as custas. Ele aborda a tristeza como uma espécie de rito de passagem, uma necessidade do corpo, uma doença que às vezes requer sua indução para que se possa entender suas razões, compreender a melancolia e, acima de tudo, enfrentá-la de peito aberto. Quem o escreve agora, ao ler esse livro na ausência de uma boa terapia, encontrou conforto em entender a tristeza ao invés de lutar contra.
Mas, procure um psicólogo, não escute um poeta europeu do século XIX-XX.
No fim, Rilke alerta sobre um dos pontos mais cruciais na jornada do ser humano: a sinceridade quanto aos seus verdadeiros sentimentos. “(...) são puros todos os sentimentos que o senhor acumula e eleva; impuro é o sentimento que abrange apenas um lado de seu ser e assim o desfigura (...)” (p. 86). Ser sincero consigo mesmo em uma realidade dura e solitária parece ser uma tarefa difícil, ao qual Rilke finaliza a última carta desejando que o jovem Kappus continue na sua jornada de evitar tais armadilhas logrosamente.
A leitura é para todos aqueles amantes da arte, fazedores dela e, acima de tudo, aos que buscam uma boa dose de provocações que podem te levar ao auto-conhecimento ou a somente uma pausa no seu cotidiano para apreciar uma boa dose de literatura. Um poema de Rilke é escolhido para encerrar o aclamado filme “Jojo Rabbit”, ao qual usarei para fechar a resenha desse conjunto de poemas: “deixe tudo acontecer com você: da beleza ao terror; apenas continue; nenhum sentimento é real.”
Rainer Maria Rilke (1875-1926) foi um poeta modernista boêmio-austriaco. Ele teve uma filha.