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Análise de Conjuntura
PET-REL

 

Por Vanessa Ramos

 

No dia 20 de outubro, terça-feira, o Ministério da Saúde anunciou a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina chinesa desenvolvida pela farmacêutica Sinovac em parceria com o Instituto Butantan (PERES, 2020). O anúncio foi feito pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que assinou um protocolo de intenção de aquisição das doses da vacina em uma reunião com governadores, entre eles João Doria (PSDB), governador de São Paulo. Segundo Pazuello, a vacina está em fase final de testes e se mostrou segura nas avaliações realizadas desde julho, e a expectativa é de que esteja disponível para a população no início de 2021.  

 

No dia seguinte (21 de outubro), entretanto, o Presidente da República Jair Bolsonaro desautorizou o ministro da Saúde ao afirmar que não realizaria a compra das doses da CoronaVac (Ibidem, 2020). Em um pronunciamento no Twitter, Bolsonaro afirmou que “não compraremos a vacina chinesa de João Doria” e que “o povo brasileiro  não será cobaia”:

 

A vacina chinesa de João Doria: Para o meu Governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE e CERTIFICADA PELA ANVISA. O povo brasileiro NÃO SERÁ COBAIA DE NINGUÉM. Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina (Ibidem, 2020).

 

Apesar de o presidente ter reforçado nas redes sociais a importância de que uma possível vacina para a COVID-19 tenha uma comprovação científica de sua segurança e uma autorização da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) antes de ser distribuída à população, Bolsonaro mudou o seu discurso em uma entrevista para a Jovem Pan, no dia 21 à noite, afirmando que a vacina “não será comprada pelo governo, ainda que venha a possuir a autorização da ANVISA” (SOARES, 2020). Segundo o presidente, há uma forte descredibilidade em relação à vacina devido ao seu desenvolvimento na China: “Com a China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido por lá” (Ibidem, 2020). Bolsonaro ainda acrescentou que “A (vacina) da China nós não compraremos, é decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população. Esse é o pensamento nosso” (Ibidem, 2020). 

 

Com essa situação, é possível questionar: o cancelamento do acordo de aquisição das doses da vacina CoronaVac, por parte de Jair Bolsonaro, faz parte de um comportamento justificadamente cauteloso do chefe do Executivo ou insere-se em um contexto de contínuos esforços de politização do combate ao novo coronavírus por parte do presidente? 

 

Para responder a esse questionamento, é preciso analisar mais detalhadamente o acordo de intenção de aquisição das doses de imunizante assinado por Pazuello. Apesar de Bolsonaro ter cancelado o compromisso, afirmando que não faria sentido fazer o investimento em uma vacina que ainda estava em fase de testes, e que qualquer imunizante ofertado à população brasileira teria que ter uma comprovação científica de sua segurança e ser certificada pela Anvisa, o presidente não se atentou ao fato de que, no acordo assinado por Pazuello, já estava estabelecido que as doses da vacina apenas seriam adquiridas após aprovação pela Anvisa. Assim, a aprovação da agência reguladora já era obrigatória para que a intenção de compra firmada pelo Estado brasileiro tivesse validade e que a aquisição das doses ocorresse de fato.

 

Por outro lado, Bolsonaro já tinha assinado, em agosto, uma medida provisória que liberava R$1,9 bilhão para produção, compra e distribuição de 100 milhões de doses do imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford em parceria com a Fiocruz (ANDRADE, 2020). É importante ressaltar, entretanto, que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford tampouco tem aprovação pela Anvisa ou eficácia cientificamente comprovada, e está na mesma fase de testagem que a CoronaVac. Dessa forma, é possível perceber que a motivação de Bolsonaro para a dissolução do compromisso de aquisição da vacina desenvolvida na China não tem relação com o fato de que essa não possui comprovação científica ou porque carece de aprovação da Anvisa. 

 

As declarações do chefe do Executivo na entrevista à Jovem Pan confirmam essa percepção, já que o presidente afirmou que não realizaria a compra da vacina proveniente da China mesmo que essa recebesse a aprovação da Anvisa, ou seja, mesmo que fosse considerada eficaz e segura pela principal agência reguladora do Estado. Assim, é notório que a decisão de Bolsonaro tem fundamentos ideológicos e passa longe de ser uma cautela justificável, já que, se o presidente estivesse realmente preocupado com a segurança da população brasileira, ele se mostraria disposto a comprar qualquer vacina que fosse comprovadamente segura e estivesse disponível, independentemente de sua origem.

 

 É evidente que Bolsonaro cancelou o acordo porque ele foi muito mal visto por seus apoiadores, tanto por ser uma vacina proveniente da China, que tem um governo autoritário de esquerda, quanto pelo imunizante estar sendo desenvolvido no Brasil em parceria com o governo do estado de São Paulo, cujo governador, João Doria (PSDB), é considerado um adversário político de Jair Bolsonaro.

 

No dia do anúncio da assinatura do acordo da CoronaVac, diversos apoiadores de Bolsonaro foram às redes sociais para criticar a medida e pedir que o presidente não permitisse a compra do imunizante. Por exemplo, uma das manifestações dizia: "Presidente, a China é uma ditadura, não compre essa vacina, por favor. Eu só tenho 17 anos e quero ter um futuro, mas sem interferência da Ditadura chinesa" (ROTHIER, 2020), ao que o chefe do Executivo respondeu “NÃO SERÁ COMPRADA” (Ibidem, 2020). Outros internautas pediam a exoneração do ministro da Saúde, que os havia “traído” ao realizar o acordo com a China. Assim, nota-se que, entre os seguidores do presidente, a maior preocupação não era a credibilidade da vacina ou a confiança nela, como afirmava Bolsonaro acerca dos motivos para encerrar o acordo, mas sim o fato de ter sido produzida por um governo autoritário de esquerda.

 

Por outro lado, há também o conflito político entre Bolsonaro e Doria no que tange às vacinas. Bolsonaro e seus seguidores veem Doria como um traidor, que teria se aliado a Bolsonaro durante a época de sua eleição como governador, para se aproveitar de sua popularidade, e, após a eleição, deixado de apoiar o presidente. Atualmente, Bolsonaro e Doria são adversários políticos e possíveis concorrentes na eleição presidencial de 2022. Na terça-feira, dia 20 de outubro, o governador de São Paulo comemorou a compra das doses da CoronaVac, parabenizou Pazuello pela medida e afirmou que “o Brasil venceu” (SOARES, 2020). Já Bolsonaro, após a dissolução do acordo, afirmou que não tem interesse algum em dialogar com Doria, e acusou o governador de ter agido por interesses eleitorais, na tentativa de recuperar a popularidade que o tucano havia perdido durante a pandemia (VENAGLIA, 2020). Ademais da questão da CoronaVac, os dois políticos também têm discutido acerca da obrigatoriedade da vacina ao novo coronavírus.

 

Na sexta-feira, dia 23 de outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se manifestou sobre a situação. Margaret Harris, porta-voz da OMS, afirmou que a instituição escolhe apoiar as vacinas do novo coronavírus com base em critérios científicos, e não pela nacionalidade das empresas que as desenvolvem. Ao ser questionada sobre a atitude de Bolsonaro de cancelar o acordo de compra das vacinas, declarou que:

 

Nós escolhemos a ciência. [A questão] não é a respeito da nacionalidade, e essa é a beleza de ser multilateral, esse é o ponto da ONU. Nós escolhemos a ciência e deveremos escolher a melhor vacina. E como se sabe, não vamos apoiar nenhuma vacina até que seja provado que ela teve o mais alto padrão de segurança e o nível certo de eficácia (ROTHIER, 2020).

 

Assim, é possível observar que a decisão de Jair Bolsonaro de dissolver o acordo assinado por Pazuello de aquisição de milhões de doses da CoronaVac faz, sim, parte de uma tentativa de politização do combate ao COVID-19. É evidente que o presidente tem agido não em prol da segurança e da integridade física da população brasileira, que se beneficiaria de uma vacina segura e eficaz, independente da sua origem, mas de forma a agradar os seus apoiadores e a sua base eleitoral ao impedir a concretização do acordo desejado por Doria.

 

É difícil saber o que ocorrerá daqui para frente, mas é provável que, se mantida a dissolução do acordo por parte do governo federal, haja uma movimentação para que a aquisição das vacinas ocorra por meio de acordos diretos com os estados. João Doria, por exemplo, já afirmou que os governadores presentes na reunião do dia 21 ficaram frustrados com a atuação do Executivo, que foi considerada um desrespeito ao Pacto Federativo, e que planejam adotar as medidas necessárias para o fornecimento do imunizante (VENAGLIA, 2020). Assim, espera-se que a população brasileira não seja impedida de ter acesso a essa vacina, mesmo que essa intermediação não seja realizada pelo governo federal.  

 

Referências

 

ANDRADE, Hanrrikson. Coronavírus: Bolsonaro assina MP e libera quase R$ 2 bi para vacina. UOL, 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/reda cao/2020/08/06/coronavirus-bolsonaro-assina-mp-e-abre-r-19-bi-de-credito-para-vacina.html>. Acesso em: 23 out. 2020.

PERES, Edis. Ministério da Saúde anuncia compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa. Correio Braziliense, 2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/10/4883455-ministerio-da-saude-anuncia--compra-de--46-milhoes-de-doses-da-vacina-chinesa.html>. Acesso em: 23 out. 2020.

ROTHIER, Bianca. Critério para escolher uma vacina é a ciência, e não nacionalidade, diz OMS. G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2020/10/23/criterio-para-escolher-uma-vacina-e-a-ciencia-e-nao-nacionalidade-diz-oms.ghtml>. Acesso em: 23 out. 2020.

SOARES, Ingrid. Bolsonaro diz que não comprará vacina chinesa, mesmo se aprovada pela Anvisa. Correio Braziliense, 2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/10/4883906-bolsonaro-diz-que-nao-comprara-vacina-chinesa-mesmo-se-aprovada-pela-anvisa.html>. Acesso em: 23 out. 2020.

_______. Bolsonaro desautoriza Pazuello e diz que vacina chinesa 'não será comprada'. Correio Braziliense, 2020. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/10/4883614-bolsonaro-desautoriza-pazuello-e-diz-que-vacina-chinesa-nao-sera-comprada.html>. Acesso em: 23 out. 2020.

VENAGLIA, Guilherme. Doria: Vamos esperar 48 horas por recuo do governo federal sobre Coronavac. CNN, 2020. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/10/21/doria-vamos-esperar-48-horas-por-recuo-do-governo-federal-sobre-coronavac>. Acesso em: 24 out. 2020./